terça-feira, julho 30, 2013

Médicos querem mudar definição de câncer, merecem destaque e aplausos

Sem entrar no mérito de todas as recomendações, é bastante positivo ver o assunto overdiagnosis sendo tratado abertamente por sub-especialistas. Estimula uma mudança de olhar que os favorece. Ao reconhecer que se sentem obrigados a tratar ou a remover, dão outra explicação para pouco respeitarem recomendações de conduta expectante em subgrupos de pacientes com câncer de próstata, por exemplo. Ao não reconhecerem estas pressões, favorecem a interpretação, simplória demais, de que médicos submetem pacientes a procedimentos desnecessário visando o lucro apenas.

DO "NEW YORK TIMES"

Um grupo de especialistas conselheiros do Instituto Nacional de Câncer dos EUA recomendou mudanças na forma de detectar e tratar os tumores, incluindo alterações na definição da doença e até a eliminação da palavra "câncer" de alguns diagnósticos.

As sugestões foram publicadas esta semana no "Journal of the American Medical Association".

Condições pré-malignas, como o carcinoma ductal in situ na mama - lesão localizada que muitos médicos não consideram como câncer -, deveriam ser rebatizadas sem a palavra carcinoma, dizem os especialistas.

Assim, os pacientes ficariam com menos medo e procurariam menos tratamentos desnecessários e arriscados como a remoção das mamas.

O grupo também sugeriu que muitas lesões detectadas em exames de mama, próstata, tireoide e pulmão não deveriam ser chamadas de câncer, mas de IDLE (a sigla, que quer dizer indolente em inglês, significa lesões indolentes de origem epitelial).

Algumas dessas mudanças devem levar anos para acontecer e parte dos especialistas discorda delas, mas o relatório pode mudar o tom do discurso sobre o câncer.

O motivo por trás do pedido de mudança é a preocupação com as centenas de milhares de pessoas se submetendo a procedimentos desnecessários e arriscados para tratar leões pré-malignas ou tumores de crescimento tão lento que podem nunca causar dano.

O advento de exames muito sensíveis nos últimos anos aumentou a chance de achar os chamados "incidentalomas" - lesões encontradas por acaso e que não chegariam a causar sintomas.

O problema é que, uma vez que a lesão é descoberta, os médicos se sentem obrigados a fazer biópsia, tratar e removê-la. "Ainda temos dificuldade de convencer as pessoas que achados em testes como mamografia e PSA nem sempre são doenças malignas que vão matá-las", afirma Harold Varmus, diretor do Instituto Nacional de Câncer.

O problema em mudar a nomenclatura, segundo Larry Norton, do Centro de Câncer Memorial Sloan-Kettering, é ainda não dá para dizer com certeza aos pacientes quais tumores são indolentes e quais vão matá-los.

Norton afirma, no entanto, que é preciso melhorar a comunicação com o paciente. "A terminologia é só um termo descritivo e precisa ser explicada. Mas não dá para mudar centenas de anos de literatura médica só mudando a nomenclatura."

O grupo de trabalho do Instituto Nacional de Câncer também pediu mais pesquisas que ajudem a distinguir tumores de crescimento lento daqueles mais agressivos.

"Isso é bem diferente do pensamento de 20 anos atrás, quando achar um câncer significava um risco enorme de morrer", diz Varmus.

sexta-feira, julho 19, 2013

Limites da relação médicos / indústria farmacêutica

Recentemente estive em evento onde a farmacêutica Sanofi foi patrocinadora e esteve fisicamente presente através de estande / propagandistas. Ao perceber que buscavam gestores e médicos para divulgar uma iniciativa, resolvi me aproximar e conversei com um dos promotores.


Trata-se do Programa "TEV Safety Zone", uma iniciativa global de educação continuada e outras ações para prevenir o tromboembolismo venoso no ambiente hospitalar. O objetivo é auxiliar os hospitais, por meio de palestras para profissionais da saúde, auxílio para implantação de comissões hospitalares de prevenção de TEV e protocolos, e apoio para o treinamento da enfermagem. O programa contribui também para que os hospitais que estejam em processo de acreditação recebam sua certificação, segundo fonte oficial.

Quando questionei se o projeto tinha algum site de apresentação em língua portuguesa, o funcionário da indústria orientou-me a procurar informações via portal do HC/FMUSP, valorizando ainda a existência de um banco de dados eletrônico conjunto, com informações sobre o tema envolvendo diversas instituições hospitalares. Acabei encontrando o material abaixo dentro do portal da Disciplina de Clínica Médica e Propedêutica da USP, sem nenhuma referência visual ou textual à parceria com o laboratório:

"Banco de dados desenvolvido para que hospitais e clínicas cadastrados tenham acesso a uma ferramenta para registro de profilaxia de tromboembolismo venoso (TEV) em pacientes clínicos e cirúrgicos internados. Uma senha e usuário serão criados para o diretor do hospital ou clínica e para mais duas pessoas por ele designadas – tipicamente o profissional médico envolvido no programa e o responsável por alimentar o banco de dados. Os dados são registrados de maneira padronizada e é obrigatória a obtenção de consentimento pós-informação, ou de autorização do CEP local que libere a necessidade do consentimento, para que os dados aqui compilados possam ser utilizados em publicações científicas ou apresentações em congressos" - saiba mais aqui.

Sequer tenho convicção de que bati corretamente as informações ou de que não existem outros espaços virtuais do próprio HC/FMUSP onde apresentem a parceria abertamente, mas, de qualquer forma, alguns pontos merecem ser discutidos em uma perspectiva sistêmica:

1. Devem grupos que lidam diretamente com ensino médico em graduação e estudantes de Medicina participar deste tipo de aliança?

2. É relevante alguma referência ao vínculo com indústria farmacêutica por parte de autarquias estaduais ou outras organizações tuteladas pelo Estado brasileiro em projetos desta natureza? Por quê?

3. É indiscutível a complexidade dos processos necessários para adequada e bem sucedida implantação de protocolos nas organizações de saúde. Mas realmente é preciso parceria com a indústria na elaboração de recomendações e treinamentos locais? Quais são os reais desafios para homogeneização de práticas e condutas a partir de protocolos institucionais e para a capacitação de corpo funcional dos hospitais? Se entendo mais fácil o papel da indústria no grandes congressos médicos, alguns quase espetáculos circenses, nessas situações faz a diferença? E se faz, como? Vantagens e desvantagens?

No hospital em que trabalho em Porto Alegre dispomos de inúmeras comissões ativas e produtivas no campo da qualidade e segurança, não sendo necessário em nenhuma delas este tipo de suporte. Uma parceria com a indústria para implantação de comissões hospitalares de prevenção de TEV, onde vislumbram "um grupo multidisciplinar envolvido, constituído de profissionais dos principais serviços, como clínica médica, terapia intensiva, cardiologia, pneumologia, cirurgia geral, enfermagem e farmácia", não se presta muito mais a estimular o contato de lideranças e formadores de opinião com a empresa?

Considerando que a empresa produz especificamente o CLEXANE®, o processo de decisão da instituição entre marcas e tipos de anticoagulantes semelhantes poderia ser influenciado de alguma forma?

Já o "trabalho de apoio para o treinamento da enfermagem" fez-me lembrar de iniciativa semelhante que vivenciei em instituição onde no passado trabalhei. Uma indústria de tecnologias promoveu capacitação de enfermeiros e técnicos e, amparados pela premissa [verdadeira] de que "em sepse, tempo é vida", estimulava os profissionais a trazerem dispositivos já prontos para o uso (com a embalagem aberta).

E por fim, chamo atenção de que anunciam construir todas as recomendações técnicas a partir da Diretriz Brasileira de Profilaxia de TEV em Pacientes Clínicos Internados (AMB/CFM). Neste documento, onde declaram os conflitos de interesse envolvidos, informam que o grupo elaborador contou com o apoio logístico da Sanofi-Aventis do Brasil, havendo consultores da empresa entre os autores, bem como membros do Advisory Board da Sanofi-Aventis do Brasil.

Em momento tão complicado para os médicos brasileiros, em que estamos sendo jogados contra a população pelo Governo, na tentativa de melhorar nossa imagem, não seria oportuno abandonarmos a soberba de acreditar que políticos se perdem quando envolvidos em relacionamentos complicados, mas médicos jamais? Mesmo reconhecendo que a maioria dos médicos e sociedades médicas age corretamente perante conflitos de interesse, mas na falta de barreiras efetivas e transparentes para o contrário, não seria um bom momento para mostrar que também queremos parecer publicamente que agimos bem? E então evoluir em políticas de relacionamento com elementos além da simples declarações de conflitos de interesse?

Que esta e outras questões sirvam para debate construtivo...

segunda-feira, julho 15, 2013

Editor de nosso Blog trouxe a tona no Safety2013 o problema dos excessos na Medicina



Com o enfoque do impacto do excessos diagnósticos/terapêuticos e da prevenção quaternária na segurança do paciente, Luis Cláudio Correia palestrou na última quinta-feira no Rio de Janeiro:

O paradigma do overdiagnosis e a segurança do paciente:
 quando pecar por excesso pode adquirir significância literal

No capítulo 6 da segunda edição de Understanding Patient Safety (2012), recém lançada em português, dedicado aos erros diagnósticos, Robert Wachter também abordou overdiagnosis. O assunto não é novo, mas historicamente é discutido em paralelo com o movimento de segurança do paciente. O paradigma começa a ser quebrado! Tanto que na edição de 2008 do livro nada consta sobre o tema, que ganhou espaço nesta nova, com a seguinte mensagem:

“A maior ênfase na área de erros diagnósticos tem sido para diagnósticos não detectados ou errados, mas há um problema também com a detecção de alterações que não irão causar sintomas ou morte durante toda a vida de um paciente se não forem tratadas. Este problema talvez esteja aumentando pela crescente disponibilidade de testes diagnósticos altamente sensíveis para identificar pequenas lesões cuja importância clínica é desconhecida. E nossa tendência é tratar todas, levando a alguns casos de danos.

Há outra questão em jogo também. Diagnósticos que antes eram em grande parte desconhecidos – síndrome das pernas inquietas, fibromialgia, e baixos níveis de testosterona, por exemplo – tornaram-se comuns depois que empresas farmacêuticas com tratamentos muitas vezes questionáveis começaram a implorar aos pacientes para “perguntar ao seu médico” sobre eles. Woloshin e Schwartz chamam isso de “a mercantilização da doença” e é provável que aumente o número de vítimas de excesso de diagnósticos e tratamentos”.

Correia apresentou o tema pela primeira vez em seis edições do evento.
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