domingo, outubro 19, 2014

Evento troca farmacêuticas por parceria com curso de gastronomia em almoço dos palestrantes

Foi assim que Gibran Avelino Frandoloso viabilizou o tradicional almoço entre organizadores, palestrantes e convidados no I Encontro Paranaense de Médicos Hospitalistas.

Efetivou parceria com o Curso de Tecnologia em Gastronomia da Universidade PUCPR e ofereceu excelente encontro gastronômico e de networking aos participantes.


Mas não foi só isto: mostrou mais uma vez que é possível!

O evento não estabeleceu nenhum tipo de parceria ou convênio com indústrias farmacêuticas ou de tecnologias. E foi capaz de reunir palestrantes de quatro estados (Paraná, Rio Grande do Sul, Belo Horizonte e Rio de Janeiro).

terça-feira, setembro 09, 2014

Médicos medíocres e eleitores imbecis

Como a maioria dos médicos, vejo a indústria farmacêutica como nossa aliada no tratamento e prevenção dos principais problemas de saúde. Sem a indústria e suas pesquisas estaríamos vivendo menos tempo e com menor qualidade de vida. Acho que a indústria sofre algumas críticas injustas, na maioria das vezes, fruto da ignorância ou de uma visão enviesada ideologicamente.

Quase todos os médicos recebem representantes dos laboratórios. São pessoas muito gentis, pacientes – às vezes, nos esperam por horas -, elegantes, inteligentes e parecem poder conversar sobre qualquer coisa. Também são bem treinados e aí começam os problemas.

Explicarei. Mas antes uma breve história. Há poucos meses encontrei um representante que me conheceu quando eu era guri, está octagenário e, segundo familiares, com problemas de memória. Porém, ao avistar-me, sabedor que eu era médico, ele recitou uma fala de 3 minutos contínuos, no qual falou das vantagens de um hepatoprotetor, que na verdade funciona como placebo, sem evidência de eficácia. O discurso estava intacto, apesar da idade, nasceu na década 70.

O treinamento dos representantes segue parecido. Ele é feito para atender médicos medíocres. O que, de alguma forma, traduz a visão que o marketing da indústria tem dos médicos. O material promocional é de qualidade ímpar: o melhor papel, fotos excelentes, gráficos claríssimos. Porém, o conteúdo é enviesado. Dados pinçados em estudos duvidosos, comparações de resultados entre estudos de diferente design, extrapolações espúrias. Quando a medicação tem menos eficácia acentua-se a diminuição de efeitos colaterais e omite-se a eficácia. Além dos comentários sobre os principais problemas das intervenções concorrentes. Na maioria das vezes, os representantes não sabem com profundidade sobre o que estão falando, repetem o treinamento. Não têm consciência que são cumplices de tortura de dados.

Há poucos dias, um representante falou-me da vantagem de uma apresentação de 20mg em relação a de 30mg. A vantagem era que a de 30 custava 50% mais. Outro, da vantagem de uma apresentação com 50% mais comprimidos e que apresentação da concorrência era apenas 30% mais barata. Quando comento que o preço unitário do comprimido era o mesmo, ele olhou-me com um ar de estranheza. Além disso, a indústria está nos propondo que sejamos garotos propaganda das farmácias conveniadas e dos programas de fidelidade. Além de medíocres, talvez sejamos baratos, do ponto de vista do RH da indústria.

Com frequência somos convidados para uma janta, na qual escutamos um palestrante falar sobre alguma medicação. Na maioria das vezes, ele faz uma apresentação acrítica, que já vem pronta do laboratório, que não raro, apresenta os mesmos vieses do material dos representantes. Mostrando claramente que o laboratório confia tanto na mediocridade do speaker, como na dos ouvintes. Sim, após a palestra, a confraternização entre os colegas e os representantes é ótima.

Somos nós médicos de fato medíocres e os laboratórios adaptaram-se a isso? Ou seriam eles que nos vêm a sua imagem e imperfeição? Talvez tudo faça parte de um grande misancene, no qual nada disso deve ser levado em conta; tudo não passaria de pretexto para deixar algumas amostras e confraternizarmos nas jantas. Talvez?!

Contudo, este modelo pode, justa ou injustamente, dar asas para a imaginação, inspirando filmes como: Terapia de risco e O jardineiro fiel. Além de incentivar as teorias de conspiração dos que acreditam em gnomos, são contra vacinas e acham que qualquer “química” é prejudicial. Neste caso, todos perderiam.

O marketing de todos os candidatos para eleições do executivo é igual a da maioria dos laboratórios. Ela é feita com o pressuposto que os eleitores são um misto de medíocres, imbecis e analfabetos. As comparações são indevidas, os números não batem, as extrapolações são espúrias, os convites às inferências são emocionais. A satanização dos oponentes é antidemocrática. Os autoelogios, bem, estes são apenas ridículos.

Alguns candidatos repetem o que lhe é dito, eles não entendem do que falam, não têm uma mente capaz para tal compreensão. Outros até teriam, mas não os interessa, acreditam, ou intuem, que é este discurso que funcionará para convencer os eleitores e é isto que importa. Eles ficam entre os desonestos intelectuais e os messias sem intelecto. Também temos os ideológicos que tiveram a sua capacidade de pensar corroída pelo vírus da própria ideologia. Entre outros menos cotados.

Acho que nós médicos não somos completamente medíocres, tampouco os eleitores imbecis de carteirinha. Mas só deixaremos de ser tratados como tais pelos laboratórios e/ou pelos políticos, quando ficar comprovado que eles não terão vantagens em nos tratarem desta forma. Parece que ainda não atingimos este estágio. Evidentemente, nem os médicos podem abrir mão da relação com os laboratórios, nem a população com políticos.

PS. Já tive oportunidade de conversar sobre isso com quase todos os representantes que me visitam. E o preço que cobro para ir às jantas ou palestrar é ser um chato problematizador.

Texto tirado do Blog do autor, Hemerson Ari Mendes, médico psiquiatra e psicanalista

Meu café com propagandistas

Hoje sai do meu plantão e fui tomar uma café da manhã em casa de pães e doces uruguaios, de Porto Alegre. É ponto de encontro tradicional de profissionais da indústria farmacêutica e, como de costume, lá estavam alguns.

Sentaram na mesa ao lado dois homens e, enquanto eu saboreava deliciosa media luna, acabei escutando a conversa. Discutiram, entre outras coisas, o caso de um médico que não havia aceitado uma apresentação feita pela empresa:

- "Insistiu em fazer a dele, queres dar uma olhada?" (mostrando no tablet)
- "Não, manda para o Dr. Y, se ele der o ok está bem"

Eis que, neste momento, estacionou uma linda mulher. Paramos os três para olhar. Foi impossível evitar. Quatro, na verdade. Havia sentado com a esposa em outra mesa um senhor, que nos acompanhou, e, quando virou novamente para sua companheira, foi recebido com um sorriso no rosto e um elogio dela à beleza da jovem. Então a linda mulher parou na mesa dos dois homens da indústria, os cumprimentou, e passou ao fundo da casa para compor uma mesa de mulheres da indústria farmacêutica.

- "Eu queria ser médico para estar na carteira dela", disse um deles.

- "Eu queria não pensar da forma que penso" (silenciosamente, eu próprio).

domingo, setembro 07, 2014

Indústria de alimentos e educação de médicos e nutricionistas

Muito interessante o posicionamento dos estudantes da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo ao denunciarem presença de representantes de indústrias de alimentos nas salas de aula.




É de 2011, mas estou publicando ao mesmo tempo que encaminho e-mail para o Centro Acadêmico Emílio Ribas. Seria muito interessante uma atualização de como o movimento evoluiu.

Nestas últimas semanas, o tema 'indústria de alimentos e educação de médicos e nutricionistas' apareceu também em outros posts em nosso grupo no Facebook. Parece bastante atual…

sábado, agosto 16, 2014

A indústria da testosterona

por Cristiane Segatto, Época

É cada vez mais difícil sair de um consultório sem a prescrição de um, dois ou três remédios. Você não tem sintoma algum ou apenas queixas difusas como cansaço, estresse, noites mal dormidas – mais ou menos como 100% das pessoas que trabalham. Procura o médico só para saber se está tudo bem e fazer aquele checkup básico. Isso não é cuidar da saúde?

Seria se os princípios da medicina não tivessem sido tão desvirtuados nas últimas décadas. Em vez de zelar pela saúde, ela tem se ocupado de vender doença. É uma praga mundial. Nos Estados Unidos, os críticos das relações inadequadas entre a indústria farmacêutica e boa parte dos médicos chamam essa prática de disease-mongering. É o velho truque de criar problema para vender solução.

Tudo começa com o pedido exagerado de exames (overtesting, em inglês). É uma batelada tão grande e desnecessária que algum parâmetro minimamente fora do padrão o médico vai encontrar. Quem procura acha, não é mesmo? Isso já aconteceu comigo mais de uma vez. Tive a sensação de quem leva um carro em bom estado para uma revisão preventiva e volta para casa arrasado, achando que é dono de uma lata velha.

O que fiz? Desconfiei do desfile de representantes da indústria farmacêutica na sala de espera, pesquisei a coerência da indicação dos remédios e, para não fazer besteira, consultei meu médico de confiança. Ele me tranquilizou e me fez ver que nenhuma daquelas alterações era relevante. Voltei para casa sem doença imaginária e sem um rombo na carteira.

A prescrição de remédios para corrigir desvios do padrão que não necessariamente provocam ou vão provocar doença é conhecida, em inglês, como overtreatment. É o terceiro flagelo que afeta os pacientes de classe média alta – aqueles que têm acesso à medicina, mas não exatamente à saúde.

Um bom exemplo disso é a indústria da testosterona, tema da provocativa reportagem de capa da Revista TIME da semana passada. O mercado do hormônio masculino movimenta US$ 2 bilhões nos EUA. As prescrições cresceram de 2,9 milhões em 2007 para 7,5 milhões em 2013.

No Brasil, a tendência é a mesma. Segundo a Anvisa, as vendas de produtos que contêm testosterona (em cápsula ou injetável) aumentaram 55% entre 2004 e 2012. Isso sem contar o gel de testosterona produzido por farmácias de manipulação. Essa é uma indústria construída sobre a insegurança provocada pela consciência da passagem do tempo.

Desde que o mundo é mundo, homens e mulheres fazem loucuras para conservar a beleza e a energia da juventude. Na Roma Antiga, impotência sexual se combatia com alho-poró e água de aspargos cozidos. Coentro fresco misturado com alho e vinho era considerado o melhor dos afrodisíacos. Na Idade Média, o frade e filósofo alemão Albertus Magnus fez fama com uma receita que prometia devolver aos homens desesperados a rigidez dos bons tempos. O segredo era assar o pênis de um lobo, cortá-lo em pedaços pequenos e mastigar devagarinho.

Na sociedade pós-Viagra, garantir as ereções já não basta. Os homens querem uma solução mágica capaz de promover uma revigorada geral. Um combo de vitalidade, disposição, bom humor, músculos, barriga chapada... O elixir da juventude é um desejo ancestral que a indústria se preparou para atender. No século XXI, ele se chama reposição de testosterona.

Essa terapia só é aprovada pelas agências que controlam medicamentos (FDA, nos Estados Unidos e Anvisa, no Brasil) para o tratamento de homens que não conseguem produzir testosterona naturalmente e, por isso, sofrem de doenças como depressão, perda de massa óssea, perda de libido, disfunção erétil, alterações cardiovasculares. Nesses casos, a reposição hormonal é muito importante.

A grande maioria da população masculina não precisa disso. A andropausa, queda na produção de testosterona depois dos 50 anos, é considerada uma doença que afeta de 5 a 10% dos homens. Enquanto a menopausa é uma alteração fisiológica, um fenômeno natural pelo qual todas as mulheres passam, a andropausa é patológica. É doença, de fato. Como tal, precisa ser tratada.

Os outros 90% dos homens chegarão à velhice produzindo testosterona, com a libido preservada e sem nenhum sintoma de andropausa. Mesmo que tenham dificuldades de ereção (Viagra e assemelhados estão aí para isso), desejarão a mulher do vizinho até o último suspiro.

Se apenas um pequeno grupo de pacientes precisa fazer reposição hormonal, o que explica o boom da testosterona que o Brasil e outros países vivem? Ele é explicado por outra prática corriqueira da indústria farmacêutica: a de promover medicamentos para usos ou públicos para os quais eles não são aprovados.

Olhe à sua volta e veja quantos quarentões trabalham demais, dormem pouco, são sedentários e reclamam da vida sexual. Se eles forem submetidos a uma dosagem de testosterona no sangue provavelmente descobrirão que os níveis do hormônio estão no limite do que é considerado normal ou, talvez, um pouco abaixo dele. É provável que saiam do consultório com uma prescrição de testosterona, mesmo sem ter sintoma de doença.

Isso é tratamento desnecessário. “Quando o homem tem uma pequena alteração nos níveis de testosterona no sangue e nenhum sintoma não se deve prescrever a reposição hormonal”, diz o urologista Daher Chade, do Hospital Sírio-Libanês e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. “A conduta recomendada é apenas aguardar para ver se surge algum sintoma”.

O problema da maioria dos quarentões mal cuidados não é incapacidade de produzir testosterona – e sim estilo de vida errado. Recentemente, uma publicação da Universidade Harvard dedicada à saúde masculina lançou a questão: “Você já pensou em outras razões que possam estar provocando fadiga, queda da libido e outros problemas?”. E concluiu: “Você tem uma alimentação nutritiva? Faz atividade física regularmente? Dorme bem? Cuide disso tudo antes de procurar a reposição hormonal”.

Quanto mais sexo uma pessoa faz, mais testosterona ela produz naturalmente. Conserte a vida, vá para casa mais cedo, faça mais sexo e dê uma chance para a natureza. O mesmo vale para as mulheres. Nos últimos anos, virou moda entre os ginecologistas brasileiros prescrever gel de testosterona também para elas.

O esquema é o mesmo: pedem a dosagem do hormônio, verificam que ele está no limite e já indicam a farmácia de manipulação de “confiança”. Mesmo que a paciente não tenha queixa alguma, prometem um “up” na libido, músculos torneados, barriga chapada, energia e disposição. E, quase sempre, arrematam com o argumento que, para algumas mulheres, pode ser arrebatador. Para outras, é assustador. “Viu como a paciente que saiu daqui agora está bem?”. E aí você se lembra de ter visto uma mulher de 60 anos, espremida numa minissaia e, aparentemente, com uma enorme dificuldade de aceitar que a juventude passou.

Cada um vive como bem entende, mas é desejável que toda escolha seja baseada em informação e consciência dos riscos. O uso de testosterona por mulheres não é aprovado pelas autoridades sanitárias. A exceção é o uso hospitalar, quando a paciente sobre de graves alterações metabólicas. “Não faz sentido prescrever testosterona para mulheres”, diz o médico Chade. “Se a mulher produz pouca testosterona e opta pela reposição, a produção natural do hormônio vai diminuir ainda mais se ela interromper o uso do produto”, afirma.

Mulheres que usam gel de testosterona costumam relatar que se sentem mais dispostas, bonitas, com menos gordura corporal e mais energia sexual. Ajudam a propagar a reposição e a movimentar uma indústria bilionária.

Os riscos não são desprezíveis. Eles envolvem virilização. As mulheres podem ter acne, aparecimento de pelos no rosto, engrossamento da voz, crescimento do clitóris, queda de cabelo, retenção hídrica (que provoca inchaço) e alterações de comportamento, como aumento da agressividade. Se a dose for muito elevada, aumenta o risco de trombose, hepatite, aparecimento de cistos e tumores no fígado, entre outros problemas. Vale a pena?

No início do ano, a FDA anunciou o início de uma revisão dos dados de segurança da reposição de testosterona em homens. A decisão foi motivada por vários estudos segundo os quais certos homens correm risco mais elevado de ter infarto e derrame se fizerem reposição hormonal. E também por dezenas de processos judiciais de consumidores que alegam ter sofrido danos por causa da testosterona.

Alguns meses depois, a agência exigiu que os fabricantes alertassem os pacientes sobre o aumento do risco de possíveis coágulos nas veias. Em setembro, uma comissão de especialistas convocada pela agência discutirá as evidências disponíveis sobre benefícios e riscos da reposição. Muita discussão vem por aí. Enquanto isso, prefiro a sábia provocação lançada por muitos dos médicos que são mais que meros prescritores de medicamentos. “Você tem saúde para tanto remédio?”.
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