As preocupações levantadas por todos acima são mais do que legítimas — proteger a ciência e evitar distorções impostas por pressões políticas é fundamental. Mas isso não nos impede de olhar para o outro lado do espelho: os conflitos de interesse são reais (sem que estejamos afirmando aqui que alguém tenha sucumbido a eles em decisões concretas). É fato público que houve recebimento de honorários por consultorias científicas e palestras financiadas por fabricantes de vacinas.
Não se sabe se os pediatras recentemente demitidos estavam entre os sete membros citados no relatório de 2009 do Office of Inspector General (HHS/OIG) e que votaram em matérias nas quais, segundo o órgão, deveriam ter se abstido. Ainda assim, resta claro que, mesmo quando não distorcem diretamente uma decisão clínica ou recomendação técnica, os conflitos de interesse no mínimo potencializam ruídos — e abrem espaços ambíguos, zonas que podem ser exploradas até mesmo por oportunistas mal-intencionados. Há aí uma vulnerabilidade, não só ética, mas comunicacional: o potencial descrédito que nasce da possibilidade de comprometimento pode ser tão corrosivo quanto o comprometimento em si. Mesmo quando essa corrosão ocorre injustamente. Nesta história acima, bastou concentrar poder do lado errado.
Isso nos leva a uma pergunta incômoda, mas inevitável: devemos normalizar os conflitos de interesse como parte inerente da relação entre ciência e indústria? Ou, ao contrário, reconhecê-los como um risco sistêmico — inclusive para os mais íntegros — e tratá-los com a seriedade e o cuidado que a integridade científica exige? Até que ponto esses pediatras comprometeriam sua qualidade de vida e suas possibilidades profissionais se limitassem sua relação com a indústria exclusivamente à participação em pesquisas clínicas patrocinadas? Precisavam? Eis a questão.
Conspiradores só prosperam onde há terreno fértil: a desconfiança. E essa desconfiança, em parte, é consequência de como temos conduzido a Medicina.