por Cláudia Collucci, Folha
Todo mundo na área da saúde já está careca de saber que a máfia das próteses atua no país há anos. Em qualquer roda de médicos, o assunto é recorrente. Eu mesma já tratei dele em diversas reportagens na Folha.
Em uma delas, publicada em agosto de 2009, escrevi:
"Muitos médicos, especialmente das áreas de cirurgia cardiovascular, cirurgia plástica, neurocirurgia, oftalmologia e ortopedia, recebem comissões da indústria por indicarem seus produtos.
Segundo um ortopedista de São Paulo, que pediu para não ser identificado, o custo do material usado em uma cirurgia de coluna, por exemplo, varia entre R$ 20 mil e R$ 100 mil. A comissão de alguns médicos para a indicação de determinada prótese ou implante, por exemplo, seria de 10% a 20% do valor do produto comercializado."
Impune, a máfia foi se consolidando nas entranhas dos sistemas público e privado de saúde, conforme demonstrado por uma série de ótimas reportagens exibidas pelo "Fantástico" (Globo), que denunciaram pagamento de comissões de 20% a 50% a médicos para que eles utilizassem próteses de determinadas empresas.
Segundo uma das reportagens, profissionais orientavam pacientes a procurarem a Justiça para fazer com que o SUS e os planos de saúde custeassem os produtos, cobrados com preços até 20 vezes acima do valor de mercado. Fatos esses também já bem conhecidos e debatidos em eventos jurídicos e médicos.
Portanto, soam hipócritas as reações de surpresa demonstradas pelo governo federal e entidades médicas e jurídicas após a exibição das reportagens.
Não há marido traído nessa história, mas sim marido que se fingia de cego, surdo e mudo. Os únicos e verdadeiros traídos aqui são os pacientes que foram operados sem necessidade ou que tiveram implantadas em seus corpos próteses já usadas. E nós, contribuintes, que vemos nosso dinheiro indo para os bolsos de profissionais inescrupulosos enquanto o SUS definha por falta de recursos.
Após a exibição da primeira reportagem do "Fantástico", o governo determinou que a Polícia Federal investigue o esquema de fraudes em licitações e pagamentos de comissões a médicos por empresas distribuidoras de próteses.
"O governo federal está declarando guerra a essa máfia", disse o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao anunciar as medidas em conjunto com o ministro da Saúde, Arthur Chioro.
OK, antes tarde do que nunca, ministros. Mas, independentemente da investigação das ações criminosas (que eu espero realmente que aconteçam e que punam os responsáveis, doa a quem doer), o governo deveria tomar medidas imediatas que poderiam colocar um certo freio na bandalheira.
Uma delas é a fixação de preços das próteses e outros equipamentos em saúde, como já acontece com os medicamentos. A reivindicação já foi feita por entidades que congregam os planos de saúde e pelo CFM (Conselho Federal de Medicina). Não dá para entender porque isso ainda não aconteceu.