por Cláudia Collucci, repórter especial da Folha, especializada em saúde.
"Os médicos estão prescrevendo antipsicóticos para a depressão sem indicação clara, sem pensar duas vezes e sob a pressão de empresas farmacêuticas". O alerta vem de Allen Frances, ex-presidente do departamento de psiquiatria da Escola de Medicina da Universidade Duke, em entrevista recente ao "BuzzFeed News".
Sim, Frances é um crítico aberto da indústria farmacêutica. Mas nem de longe ele está sozinho nessa cruzada contra o uso inadvertido dos antipsicóticos. As vendas de aripiprazol (Abilify), uma classe de drogas que estreou na década de 1990 como um meio mais seguro de conter crises psicóticas de pessoas com esquizofrenia, dispararam nos últimos anos. E não é porque houve aumento dos casos de esquizofrenia. A razão é que o uso tem sido estendido para outras doenças mentais mais comuns, como demência, transtorno de conduta da infância e, especialmente, a depressão.
Em 2014, o aripiprazol foi prescrito para quase 9 milhões de americanos, tornando-se a segunda droga mais vendida nos EUA, conforme a empresa IMS Health. Em volume de vendas, passou de US$ 6,6 bilhões em 2013 para quase US$ 8 bilhões em 2014.
Muitos psiquiatras e pesquisadores têm se preocupado com esse boom antipsicótico. Eles apontam que há evidências limitadas na utilidade dessas drogas no tratamento da depressão a longo prazo. E o que é pior: elas têm efeitos secundários graves, tais como a sedação, ganho de peso e um aumento do risco de diabetes. Em cerca de um quarto dos casos, essas drogas também causam acatisia, um forte sentimento de inquietação descrito como "fazer você querer pular fora de sua pele".
Parece não haver dúvidas de que, para algumas pessoas com depressão, essas drogas fazem maravilhas. Mas nem de longe esses benefícios se estendem para a maioria dos deprimidos. Uma revisão de estudos de 2009 diz que, estatisticamente, para cada nove pessoas com depressão que tomam esses medicamentos, apenas uma terá um resultado positivo.
Ou seja, o que era para ser um droga com indicação restrita acabou se tornando uma campeã de vendas na América.
Os antipsicóticos também estão sendo exageradamente prescritos para acalmar pacientes com demência, apesar deles duplicarem o risco de morte (recentemente os rótulos dessas drogas passaram a avisar sobre a contraindicação nos casos de demência).
Os médicos também têm receitado esses medicamentos para distúrbios comportamentais em crianças pequenas, que são particularmente vulneráveis aos efeitos colaterais como ganho de peso e diabetes tipo 2. O efeito dos antipsicóticos sobre o cérebro em desenvolvimento também não é bem compreendido.
Como consequência, tem aumentado os processos contra os fabricantes de antipsicóticos por comercialização inadequada desses remédios. A Bristol-Myers Squibb concordou em pagar US$ 515 milhões para o governo dos EUA, em parte, pela venda de antipsicóticos a crianças e idosos. A Otsuka levou uma multa de US$ 4 milhões pela mesma razão.
A Eli Lilly teve que desembolsar US$ 1,4 bilhão (na época, a maior multa imposta contra uma corporação na história dos EUA) por promover o Zyprexa para depressão (antes de ser aprovado para esse fim) e também pela produção do filme "O mito da diabetes", um vídeo de treinamento que ensinava os representantes de vendas das farmacêuticas como minimizar o fato de que o remédio leva ao ganho de peso e pode causar diabetes.
A AstraZeneca pagou US$ 520 milhões sob acusação de esconder um estudo que mostrou que os usuários de Seroquel ganharam 5 kg, em média, por ano, enquanto a publicidade dizia que as pessoas perdiam peso com a droga, e também por comercializar o remédio como um tratamento para a depressão sem aprovação da FDA (agência norte-americana que regula fármacos e alimentos).
Agora que os antipsicóticos genéricos estão disponíveis, a expectativa é que o marketing sobre esses produtos seja reduzido e, consequentemente, as prescrições indevidas. Mas, por ora, a demanda por genéricos do Abilify, Seroquel, Zyprexa, e seus equivalentes nos EUA continua a todo vapor. Atingiu US$ 26,5 milhões ano passado. Já os danos causados pelos efeitos colaterais do uso inadvertido desses drogas ainda precisam ser contabilizados...
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