Somente em 2011, 140 audiências foram pedidas por deputados e senadores com o diretor-presidente Dirceu Barbano
Empresas farmacêuticas, laboratórios químicos e a indústria de alimentos usam políticos para tentar pressionar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na defesa de seus interesses. Um levantamento da própria agência reguladora constatou que, em 2011, deputados, senadores e governadores solicitaram 140 audiências com o diretor-presidente Dirceu Barbano ou com a cúpula da entidade. A maioria pedia uma intervenção para defender a liberação da produção ou comercialização de um produto.
O lobby veio à tona com o escândalo relacionado ao senador Demóstenes Torres (sem partido). Em 21 de setembro de 2011, ele agendou uma reunião com Barbano e informou que o tema a ser tratado seria próstata. Na noite anterior, mudou a agenda e informou que falaria sobre o laboratório Vitapan. Mais tarde foi revelado que essa empresa pertencia ao bicheiro Carlos Cachoeira.
A Anvisa possui um procedimento rígido para receber empresas que tenham processos em andamento e afirma que apresentará todos os dados sobre o caso da Vitapan. Os representantes são recebidos por técnicos em salas onde as conversas são gravadas. Uma minuta do encontro é produzida e todos assinam.
A direção, porém, tem um procedimento mais flexível com políticos, ainda que uma minuta também seja feita. A direção admite que não costuma recusar o pedido de audiência de um parlamentar, em respeito ao Legislativo.
Demóstenes, por exemplo, não seria o único parlamentar naquele dia a visitar Barbano. Às 8h30, o diretor-presidente teria uma reunião com o deputado federal e vice-líder do governo na Câmara, Odair Cunha (PT-MG), para falar de ``registro de medicamentos``. O encontro, segundo a agenda, teria a participação ainda de um ``sr. Fernando``.
Na agenda de Barbano para 10 de agosto aparece uma reunião com o senador Paulo Davin (PV-RN). ``Pauta: Registro Olanzapina.nuplan``, diz a agenda. No dia 6 de setembro, outro caso. ``Reunião com deputado Gabriel Guimarães (PT-MG) - Pauta: Processos da Empresa JHS Laboratório Químico e Empresa Sex Fred Indústria e Comércio de Artefatos de Borracha``, afirma a agenda.
Dois dias depois, outro encontro com um deputado acompanhado por uma empresa: ``Reunião com deputado Mauro Rubens (PT-GO) e Eribaldo Egidio, da Associação dos Laboratórios Nacionais e do Laboratório Equiplex``. A última informação que consta nos arquivos da agência é a de que dois dos medicamentos tratados no encontro tiveram o pedido de registro arquivado e um deles, indeferido.
Já o senador Benedito de Lira (PP-AL) foi até a Anvisa falar do Lifal, laboratório farmacêutico de Alagoas. O também senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pediu ainda reunião e foi acompanhado por Christine Jerez Telles Battistini, da Intemational Myeloma Foundation. Na pauta: ``autorização do uso da Lenalidomida no Brasil para tratamento do Mieloma``.
A agenda ainda mostra reuniões nas quais uma verdadeira delegação de parlamentares visitou a Anvisa. Em 25 de maio de 2011, por exemplo, deputados federais do PCdoB-BA, PCdoB-MG, PDT-GO, PMDB-PB, PT-BA, PV-RJ, PR-RJ, PSB-ES e PV-SP estiveram na agência para tratar do banimento dos medicamentos inibidores de apetite.
A romaria continuou em 2012. No dia 25 de abril, os deputados Geraldo Thadeu (PSD-MG), Manoel Salviano (PSB-CE), Diego Andrade (PSD-MG) e Eleuses Paiva (PSD-SP) foram até agência para uma reunião com Barbano sobre ``processos de interesse da empresa Farmace Indústria Químico-Farmacêutica Cearence Ltda``, como consta na agenda da Anvisa.
Inferno. Em entrevista ao Estado, Barbano admite a realização das reuniões e afirma que a pressão é grande. ``Se você não recebe os caras (os parlamentares), sua vida vira um inferno``, diz. Segundo ele, se a reunião não é marcada, os parlamentares se queixam de falta de respeito com o Congresso.
Segundo Barbano, ``mais da metade`` das 140 audiências em 2011 foi para atender o interesse de alguma indústria. ``A maioria é de empresas do Estado dele (do parlamentar), da cidade dele. Qual é a relação dele com a empresa, não é problema meu. É um problema ético dele``, diz.
Fonte:
JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE / GENEBRA - O Estado de S.Paulo
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