Há alguns anos penso o assunto e o estudo, quando possível. E minha resposta a esta pergunta vem pendendo para uma diferente da original. Não há uma só resposta, mas inicialmente eu acreditava que a principal razão seria exercer influência direta através da programação, oferecendo propaganda enganosa mesmo.
Entretanto, foram poucas as vezes que vi isto acontecer: a maioria dos médicos não aceita - nem os que assistem, nem mesmo os que palestram! Questões que comprometem informação nos congressos costumam nascer muito antes, na produção do conhecimento científico, por problemas que afetam as pesquisas e seus resultados em diversas etapas. Há a seleção do que publicar e do que não é publicado, o hype nas conclusões já a partir das publicações originais e seus editoriais, a pouca confiabilidade dos guidelines, entre outras. De tal forma que a informação transmitida em eventos e que potencialmente favorece “os excessos” (dos diagnósticos aos tratamentos) não costuma ser inventada pelos ocupantes dos púlpitos - não nasce nos seus slides.
Lembro do tempo que dei algumas aulas e promovi workshops sobre EGDT na sepse, inclusive em parceria com a empresa que vende a cara tecnologia usada no bundle de tratamento. Existe a possibilidade do principal ensaio clínico que suporta a abordagem ter sido literalmente forjado. A partir de uma denúncia no WSJ, há vários indícios de que possa ser verdade.
EGDT trial, NEJM, by Rivers et al, 2001
Pacientes teriam “desaparecido” do estudo após processo de randomização.
No momento da publicação do ECR em 2001, o hospital era quem detinha parte dos direitos da tecnologia usada no grupo EGDT. Rivers havia recém transferido direitos à instituição.
O NEJM, no momento do lançamento do trial, não publicou nenhuma referência à qualquer possível conflito de interesse do autor principal - até porque “não mais existiam”.
Rivers e seu hospital teriam recebido pelo menos $404.000 da Edwards Lifesciences.
Pacientes teriam “desaparecido” do estudo após processo de randomização.
No momento da publicação do ECR em 2001, o hospital era quem detinha parte dos direitos da tecnologia usada no grupo EGDT. Rivers havia recém transferido direitos à instituição.
O NEJM, no momento do lançamento do trial, não publicou nenhuma referência à qualquer possível conflito de interesse do autor principal - até porque “não mais existiam”.
Rivers e seu hospital teriam recebido pelo menos $404.000 da Edwards Lifesciences.
Eu não estimulava nada que eu não acreditasse fortemente. A plausibilidade é forte (ainda acredito nela, estando para sair novo ECR). O estudo original (2001) traz resultados expressivos, com impacto em mortalidade que poucas coisas na sepse até então (e até hoje) tinham conquistado. Mas, e se o estudo é fake? Teria eu feito papel de pateta? Eu e quantos mais, muitos sem possuir qualquer vínculo com a empresa da tecnologia?
Speakers profissionais: propagandistas sem remorso ou bem-intencionados úteis? |
Dei-me conta que talvez o grande objetivo da indústria ao patrocinar congressos (além das áreas de exposição, quando buscam o contato direto com os médicos “comuns”) seja o contato com as lideranças médicas e formadores de opinião, para muito pouco alterar o resultado final. Estariam buscando, muito pacientemente, o simples estreitamento de vínculos, como consequência direta no máximo um freio ao ceticismo e à criticidade.
Em razão de experiência que tive fazendo eventos médicos, pude conhecer bem uma característica nossa: adoramos poder participar como protagonistas deles. E não poupamos (consciente ou inconscientemente) reciprocidade para conquistar ou manter este privilégio. Sempre que detive o poder de escolher colegas para figurar em púlpitos, isto ficou claro. Fiz admiradores, bajuladores e amigos. De ocasião! Em momento especial, dominado por espírito de porco, fiz um teste. Havia colega com enorme potencial relacionado ao assunto que envolvia meus eventos, mas, em um primeiro momento, não foi envolvido nas grandes iniciativas porque simplesmente eu acreditava que ainda não estava pronto. Com tudo para ser um dos nomes a colaborar com o movimento e se destacar, desapareceu. Passado um tempo, o convidei para participação destacada em evento e aconteceu o previsto: reaproximou-se demonstrando forte interesse na causa e diferenciada capacidade de trabalho. Reafirmou importância de nossa amizade e de nos mantermos próximos.
Tudo isto serviu para entender que talvez a principal razão para a aproximação com sociedades médicas não seja bagunçar ainda mais a qualidade da informação no congresso, mas fazer aliados entre médicos, merecidamente ou não, importantes. Contam mais do que os médicos “comuns”. E, a partir disto, há outras várias maneiras menos ostensivas de favorecer Evidence BIASED Medicine, como através de uma atmosfera pouco questionadora. E não questionar o senso comum pode ser bom não apenas para a indústria: as próprias associações médicas se beneficiam de serem donas de verdades inquestionáveis a serem impostas à massa que controlam e certificam.
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