Artigo originalmente publicado em Saúde Web.
Ministério Chinês de Segurança Pública emitiu comunicado, em julho deste ano, alegando que executivos da subsidiária local de uma grande multinacional farmacêutica tinham sido acusados de subornar médicos chineses por longos períodos. Esses executivos teriam persuadido os médicos a prescrever determinados medicamentos para pacientes. Na comunicação, a autoridade chinesa alega terem sido pagos aos médicos “valores volumosos”, os quais teriam sido operados por meio de agências de viagens, médicos, hospitais e outros profissionais, com o objetivo de “inaugurar canais de venda e aumentar receitas farmacêuticas”.
Enquanto desenvolvem-se procedimentos administrativos e processos judiciais, diversas questões devem ser feitas em conexão com essas acusações. Especificamente para o Brasil, uma dúvida precisa ser encaminhada: existem regras objetivas limitando os níveis de interação entre a indústria farmacêutica e os profissionais do setor médico?
Sim, elas existem e não são nada subjetivas. Não se questiona que a indústria farmacêutica necessita, constantemente, contatar profissionais de saúde de forma a alcançar, com a maior eficiência possível, os benefícios da pesquisa biomédica, bem como para evoluir do desenvolvimento de terapias dedicadas à prevenção, diagnóstico e tratamento de condições adversas de saúde.
Contudo, de forma a assegurar níveis de confiança e ética no relacionamento, bem como garantir o cumprimento das regras e padrões aplicáveis no Brasil (e não apenas aqueles existentes nos países sede das matrizes das companhias), as operações brasileiras deverão desenvolver, implantar e, especialmente, manter atualizadas políticas factíveis e realistas, que estabeleçam os objetivos, contextos e limites para a interação indústria/profissional da saúde.
Não obstante a ampla variedade de temas que poderiam constar em uma política de relacionamento, as diretrizes mais adequadas devem encaminhar, com atenção e foco local, os seguintes itens: oferta de presentes; pagamento de alimentação; distribuição de amostras; permissão de acesso de profissionais às instalações da companhia, incluindo para fins de pesquisas; patrocínio de atividades de educação médica continuada; participações endossáveis em palestras e autoria de artigos científicos.
Na dúvida sobre cobrir ou não um tópico em determinada política, é recomendável refletir sobre a possibilidade de que toda iniciativa que merece investimento e atenção do ponto de vista de vendas e de promoção, mereceria, igualmente, foco sob a ótica de compliance.
Especificamente, a premissa das interações com médicos deve ser aquela que expressamente estabeleça ao profissional que ele não terá qualquer obrigação de angariar, referenciar ou arregimentar pacientes para a indústria farmacêutica. E o profissional médico não deverá, de forma alguma, receber benefícios em decorrência desses atos, tampouco ser sancionado por não fazê-lo.
No que tange às particularidades brasileiras, cabe notar resoluções e determinações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e dos Conselhos Médicos que, em alguma medida, já estabelecem deveres de divulgação quanto à existência de relacionamento entre médicos e a indústria farmacêutica. Não se trata do Sunshine Act brasileiro, mas também não se pode advogar pela inexistência de um modelo local próprio.
Independentemente da sua complexidade, extensão ou estrutura, toda e qualquer política de compliance farmacêutico que pretenda ser eficiente deverá manter um simples e extremamente indelével objetivo: manter a cultura corporativa, em todos os seus níveis, que seja construtiva e diretamente permita aos profissionais médicos exercer livremente suas atividades, incluindo, especialmente, sua autonomia de adotar suas decisões médicas e profissionais sem ingerência da indústria.
Para os executivos com dificuldades em aceitar tal premissa ou mesmo implantá-las, fica uma previsão. Sua próxima atividade de interação com profissionais com médicos poderá estar ameaçada. Assim como a sua reputação e a da sua companhia.
* Benny Spiewak é advogado, sócio responsável pelas áreas de Defesa, Propriedade Intelectual, Life Sciences e Tecnologia do escritório ZCBS – Zancaner Costa, Bastos e Spiewak Advogados; especialista em Propriedade Intelectual e Tecnologia pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP); especialista em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia pelo The Franklin Pierce Law Center (Concord, EUA) e mestre em Direito da Propriedade Intelectual (LLM), formado pela The George Washington University.
Particularmente o trecho "Especificamente, a premissa das interações com médicos deve ser aquela que expressamente estabeleça ao profissional que ele não terá qualquer obrigação de angariar, referenciar ou arregimentar pacientes para a indústria farmacêutica. E o profissional médico não deverá, de forma alguma, receber benefícios em decorrência desses atos, tampouco ser sancionado por não fazê-lo" me parece ilustrar certo desconhecimento de como estas interações se dão no varejo, onde colegas médicos, via de regra, não submetem-se por "obrigação", sendo estas questões bastantes mais complexas: podem não ter obrigação de angariar para pesquisas, mas obtêm ganhos diretos ou indiretos; a discussão envolvendo "receber benefícios" está longe de ser simples e de fácil regulação: muitas vezes, destaque social conta mais do que pagamento em dinheiro; assim como "não dever ser sancionado por não fazer" beira a ingenuidade: no varejo as farmacêuticas não sancionam, deixam de afagar, o que é bem mais difícil de julgar.
ResponderExcluirQuando o autor diz que deve ser permitido aos profissionais médicos exercer livremente suas atividades, incluindo, especialmente, sua autonomia, ignora o poder da influência subliminar e a complexidade destas relações. Serve para situações envolvendo graus de objetividade incomuns no dia-a-dia da maioria das interações.