Nem todos que vivem ou buscam viver da própria MBE (cursos e afins) se dão conta que, ao aparecerem com a nova evidência, provocando e sugerindo uma pequena revolução, mesmo que teórica, o fazem também porque simplesmente o ato valoriza a si próprios, os seus objetivos e as suas metas profissionais, naquele momento ao menos.
Já, médicos eminentemente assistenciais, se quiserem fazer o mesmo, em especial no território em que atuam, sobremodo existindo estruturas multidisciplinares hierárquicas e não estando no topo, além de contar habitualmente com sobrecargas do próprio trabalho, podem avançar em terrenos altamente movediços. De pressões e riscos que não trazem apenas ameaça de perderem aquela posição específica ou parcela do próprio dinheiro. É muito mais complexo!
Estar em “posições protegidas” diz respeito a algumas pessoas dentro de estruturas do mercado da saúde que, a depender de quem são, a tal posição provocadora, "fora da caixa", por vezes até desconcertante, acaba funcionando como mídia indireta, sinal de que aquela instituição valoriza assuntos como humanização, ética ou ciência, sem necessariamente acontecer na ponta (ruído proposital então, não sinal). Consome a atenção das pessoas e produz efeito catártico sobre a opinião da comunidade, embora, muitas vezes, nem a pessoa que está na vitrine perceba a encenação - é tomada por vaidade e por uma ponta de esperança de que despertará mudanças, mesmo que lentas e gradativas.
Já o combate à pseudociência da COVID-19 reuniu todos com mínimo bom-senso, por mais que junto venham outros vários apenas surfando esta justa onda. É quase como "chutar cachorro morto". Não exatamente porque o outro lado até reage. Ocorre que vivem em tribalismo já caricatural. Mexer na estrutura dos conflitos de interesse dos grupamentos médicos que verdadeiramente dão as cartas em todo resto que aproxima a Medicina da pseudociência da COVID-19 (e não é pouco, exemplos aqui, aqui e muito outros neste Blog), por sua vez, é buraco muito muito muito muito mais embaixo...
(1) Educação tem magnitude de efeito modesta. Precisamos aceitar isso e avançar. Sequer conhecimento garante, basta lembrar que um dos que me ensinou MBE na UFRGS (e me inspirou na profissão) se tornou agora defensor do “tratamento precoce”.
— Guilherme Barcellos (@brhospitalist) May 5, 2021
E ficou evidente aqui também:
Essa é a lição que não queremos aprender. Os sistemas deve ser preparados para resultados assim. Acontecem! Mas não querermos esta preparação. Não quer quem já sucumbiu. Não quer quem acredita que nunca sucumbirá a lapsos éticos porque “não pertence a este mundo”. https://t.co/9wOiopv66X
— Guilherme Barcellos (@brhospitalist) June 4, 2021
Outro exemplo diz respeito a um dos mais famosos cloroquiners gaúchos. O conheci de perto anos atrás. Posso garantir que sabe MBE, diria até que mais do que a média dos que dominam tantos os fundamentos quanto as ferramentas necessárias para sua aplicação prática. Anos atrás já utilizou deste conhecimento para promoção "armada" de um dispositivo médico de magnitude de efeito tão questionável que nunca emplacou.
Há, nos dois lados da Força, tanto no da "Luz" quanto no das "Trevas", gente boa e gente ruim em bioestatística e SBE. É muito provável que, em média, predominem os melhores no da "Ciência". Ainda assim, não será por tentar demarcar melhor este terreno que resolveremos em maior escala o que meu amigo Luis um dia chamou de Medicina Baseada em Fantasia. Precisamos de menos Jedi e mais humildade - para começo. Adiante disto, mudanças na fisiologia do sistema médico devem ser buscadas, tais como instigamos em material para o CREMESP em 2012, quase 10 anos atrás então, com muito pouco eco.
Sempre que o objetivo é manter o "status quo médico", surge o discurso de tratar todos a priori como "éticos" e "autônomos", junto com a promessa de punição, "caso algo seja descoberto". É assim desde muito antes da pandemia, e uma mesma pessoa ou entidade muda de lado conforme a perspectiva.