quinta-feira, junho 10, 2021

Por que a contemporânea discussão circular entre quem estaria do lado da Ciência e quem seria do Lado Sombrio da Força, além de contraprodutiva, é excessivamente romântica, quase infantil?

Tal como movimentos que falam em "humanizar o médico", em nome de uma “escuta mais qualificada”, - ao mesmo tempo em que o mercado da saúde reduz cada vez mais o tempo de consulta ambulatorial (alguns para, no máximo, 15 míseros minutos) e aumenta o número de pacientes por médico na prática hospitalar onde há contratação direta -, enquanto o sistema não se moldar melhor para valorizar conhecimento/pensamento médico, profissionais tenderão, em média, a permanecer onde e como estão do ponto de vista do resultado cognitivo. E não praticaremos, sem inexoráveis importantes lacunas, medicina norteada por conhecimento científico atualizado por diversas razões. Mesmo os que valorizam e dominam MBE. 

Nem todos que vivem ou buscam viver da própria MBE (cursos e afins) se dão conta que, ao aparecerem com a nova evidência, provocando e sugerindo uma pequena revolução, mesmo que teórica, o fazem também porque simplesmente o ato valoriza a si próprios, os seus objetivos e as suas metas profissionais, naquele momento ao menos.

Já, médicos eminentemente assistenciais, se quiserem fazer o mesmo, em especial no território em que atuam, sobremodo existindo estruturas multidisciplinares hierárquicas e não estando no topo, além de contar habitualmente com sobrecargas do próprio trabalho, podem avançar em terrenos altamente movediços. De pressões e riscos que não trazem apenas ameaça de perderem aquela posição específica ou parcela do próprio dinheiro. É muito mais complexo! 


Existem, é verdade, pecados muito individuais nesse cenário, que passam por avareza e gula de um único profissional na relação com ele próprio (no sentido dos desejos e eventuais avanços que acabam por colidir com a ética, por exemplo). Mas quem não percebe o quão mais abrangentes e profundas são as questões que reforçam não apenas a cultura do overuse, mas principalmente a cultura do “sempre fiz assim” está se auto-enganando. Atrevo-me até a imaginar que muitos dos que hoje desafiam muito transparentemente o sistema através da 'Saúde Baseada em Evidências' o fazem porque atrelaram mecanismos de monetização ou apostam nisto. Outras opções são estar em “posições protegidas” e focar no que está fácil, como o confronto à pseudociência da COVID-19.

Estar em “posições protegidas” diz respeito a algumas pessoas dentro de estruturas do mercado da saúde que, a depender de quem são, a tal posição provocadora, "fora da caixa", por vezes até desconcertante, acaba funcionando como mídia indireta, sinal de que aquela instituição valoriza assuntos como humanização, ética ou ciência, sem necessariamente acontecer na ponta (ruído proposital então, não sinal). Consome a atenção das pessoas e produz efeito catártico sobre a opinião da comunidade, embora, muitas vezes, nem a pessoa que está na vitrine perceba a encenação - é tomada por vaidade e por uma ponta de esperança de que despertará mudanças, mesmo que lentas e gradativas.

Já o combate à pseudociência da COVID-19 reuniu todos com mínimo bom-senso, por mais que junto venham outros vários apenas surfando esta justa onda. É quase como "chutar cachorro morto". Não exatamente porque o outro lado até reage. Ocorre que vivem em tribalismo já caricatural. Mexer na estrutura dos conflitos de interesse dos grupamentos médicos que verdadeiramente dão as cartas em todo resto que aproxima a Medicina da pseudociência da COVID-19 (e não é pouco, exemplos aqui, aqui e muito outros neste Blog), por sua vez, é buraco muito muito muito muito mais embaixo...



Na prática, lastimo dizer que muitos dos cloroquiners sabem mais bioestatística e SBE do que profissionais que ganharam notoriedade durante a pandemia. Já havia sinalizado isto aqui:

E ficou evidente aqui também: 

Outro exemplo diz respeito a um dos mais famosos cloroquiners gaúchos. O conheci de perto anos atrás. Posso garantir que sabe MBE, diria até que mais do que a média dos que dominam tantos os fundamentos quanto as ferramentas necessárias para sua aplicação prática. Anos atrás já utilizou deste conhecimento para promoção "armada" de um dispositivo médico de magnitude de efeito tão questionável que nunca emplacou.

Há, nos dois lados da Força, tanto no da "Luz" quanto no das "Trevas", gente boa e gente ruim em bioestatística e SBE. É muito provável que, em média, predominem os melhores no da "Ciência". Ainda assim, não será por tentar demarcar melhor este terreno que resolveremos em maior escala o que meu amigo Luis um dia chamou de Medicina Baseada em Fantasia. Precisamos de menos Jedi e mais humildade - para começo. Adiante disto, mudanças na fisiologia do sistema médico devem ser buscadas, tais como instigamos em material para o CREMESP em 2012, quase 10 anos atrás então, com muito pouco eco.

Sempre que o objetivo é manter o "status quo médico", surge o discurso de tratar todos a priori como "éticos" e "autônomos", junto com a promessa de punição, "caso algo seja descoberto". É assim desde muito antes da pandemia, e uma mesma pessoa ou entidade muda de lado conforme a perspectiva

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