terça-feira, novembro 19, 2024

Em uma publicação recente no LinkedIn, o autor de um estudo publicado em uma revista de grande prestígio compartilhou um print do artigo, acompanhado de agradecimentos.

No print, constavam o título do artigo, os nomes dos coautores, sua informação de contato e uma declaração de ausência de conflitos de interesse. Nos agradecimentos, copiou os demais autores e a farmacêutica representante do produto. 

Essa situação é caricatural ao ilustrar como frequentemente confundimos ter conflitos de interesse com ceder a eles. Nessa confusão — às vezes inadvertida, outras vezes deliberada — nunca ninguém possui conflitos de interesse. Até que é descoberto por alguma coisas indefensável. E o mesmo sistema que antes o amparava, o abandona, nem que seja por um tempo.


Oportunidade de revisarmos conceitos:

segunda-feira, novembro 11, 2024

O que está por trás desse desfile de marcas, antes acusadas de aumentar custos através de influência em médicos, com a Abramge?

Nos últimos tempos, a Associação Brasileira de Planos de Saúde vem publicando cada vez mais conteúdos em parceria com indústrias farmacêuticas e fabricantes de dispositivos médicos.

Pode não ter impacto negativo direto e até trazer vantagens amplas. Mesmo assim, poderia servir de justificativa para que os médicos, historicamente tão atacados pelas fontes pagadores em decorrência do “peso de suas canetas”, defendam suas próprias decisões terapêuticas e o uso de determinados produtos específicos, alegando que o vínculo ou patrocínio por parte da indústria não influencia suas escolhas e que eles têm, inclusive, tudo para melhor trazer o paciente para o centro das decisões em saúde. E, em média, não duvidamos disso. 

Ou é algo mais complexo e potencialmente preocupante, como já observado em outros países: a partir da atuação dos Pharmacy Benefit Managers (PBMs), que são espécies de pontes entres as fontes pagadoras e as empresas, ou qualquer arranjo similar, negocia-se descontos especiais que nem sempre se traduzem em economia também para o paciente. Não necessariamente está em jogo o menor custo global, mas o maior desconto. Isso pode criar um paradoxo onde o paciente, mesmo diante de acordos à primeira vista muito interessantes, acaba, especialmente em regimes de coparticipação, pagando mais por tratamentos que poderiam ter alternativas, para eles, mais adequadas.

Esse tipo de estrutura pode resultar em modelo remuneratórios através de Pacotes que beneficiam economicamente as fontes pagadoras e os hospitais (quando não são os mesmos), mas nem sempre os doentes e seus familiares.

O cenário, no Brasil, exige mais análises críticas sobre os impactos dessas parcerias. Se este fenômeno seguir o modelo de outros países, vale investigar se estamos realmente garantindo acesso a medicamentos e dispositivos da forma mais justa e transparente para os pacientes.

O impacto negativo dessas negociações feitas lá fora por PBMs pode variar dependendo do tipo de cobertura:

     Em Coberturas Integrais:
  • Se o paciente possui cobertura integral para um tratamento específico, ele não arca diretamente com os custos dos medicamentos ou dispositivos.
  • No entanto, o impacto negativo ocorre se o plano de saúde optar — ou o Pacote favorecer — tratamentos ou produtos de qualidade inferior ou qualquer tipo de restrição a caminhos terapêuticos que poderiam ser adequadamente ajustados a valores e preferências do paciente.
     Em Coberturas Parciais:
  • Aqui, o impacto é mais direto: o paciente paga parte do custo e pode acabar arcando com valores mais altos, sem que os descontos negociados beneficiem o consumidor final. 
Essa dinâmica cria, idealmente, a necessidade de transparência e regulação para garantir que as decisões sejam feitas em benefício do paciente. 

Pergunta Final
Será que alguma instituição, acadêmica ou de mercado, está analisando a fundo esse fenômeno e seus impactos no Brasil?




Leituras complementares:

terça-feira, novembro 05, 2024

Entre Luais Badalados, Eventos Oficiais Esvaziados e Cortinas de Fumaça: Observações sobre a Influência da Indústria nos Médicos

Recentemente, estive em mais de um evento médico e pude observar de perto como anda a atual dinâmica entre médicos e indústria. A experiência rendeu novas histórias e perspectivas, que compartilho aqui de forma anônima, com lugares e contextos também modificados.

Tudo começou em início de outubro, quando participei de um evento da minha especialidade. Fiquei em um hotel agradável, bem localizado, onde me hospedei com outros palestrantes. Havia, é verdade, opções mais sofisticadas — uma delas oferecia apartamentos mais modernos e um rooftop incrível, com piscina ao ar livre, academia de alta performance e todas as comodidades que se espera de um hotel 5 estrelas. Nela, estavam hospedados vários médicos residentes e recém-formados especialistas, incluindo alguns do meu próprio serviço. Todos custeados pela indústria da saúde.

As noites, para eles, eram também de alta performance. Todos os dias havia um luau ou outro evento social patrocinado, e, como resultado, a presença nas atividades do congresso propriamente dito foi, cada dia mais, rareando. Embora tivessem hospedagem e inscrições cobertas, o evento científico, com centenas de médicos inscritos, acabou ficando em segundo plano:




Um colega que não compareceu ao congresso justificou ausência mencionando o alto valor dos ingressos e o fato de não ter conseguido nenhum patrocínio. Isto se conecta com outra de nossas recentes postagens

Duas semanas depois, acompanhei meu companheiro a outro evento. Enquanto ele palestrava, fiquei numa sala de apoio aguardando para entregar um pen drive necessário para outra atividade. Essa sala foi compartilhada com um representante da indústria, que aproveitou para realizar reunião virtual. A conversa apresentava truncamentos: fluía melhor na minha presença apenas, sabe-se lá porque razão. Toda vez que aproximavam-se congressistas, a pessoa mais escutava quem estava do outro lado do que falava...

Neste trecho*, indivíduo do outro lado parecia não confiar em seu speaker. É tranquilizado com expressões do tipo "validamos tudo". Fica a forte impressão de que controlam através de plataforma onde insere-se as apresentações e, somente dali, são oferecidas ao público-alvo. Essa questão da influência no conteúdos e, consequentemente, na grade dos eventos médicos, não é exatamente nova: a Folha de São Paulo, ainda em 2011, publicou matéria cujo título era: Médicos ”loteiam” eventos para a indústria.

Algum tempo depois, começam a discutir um novo produto de potencial aproveitamento por mais de uma especialidade médica. Mas falam em tentar "pegar pneumologistas" da região, pois "sabem que farão 2-3 eventos até o final do ano". Escute aqui*. 

Por fim, passam a discutir o que parece um treinamento institucional para certo "pacote" no qual está inserido produto da empresa. Já teriam acertado com a operadora e o hospital, e treinariam eles próprios os médicos em perspectiva de "protocolo cego". Aqui está*.

          * Voz alterada en Voice Changer. Há áudio original com duração de quase 10 minutos.


Mais adiante, conversando sobre as atividades sociais patrocinadas com um amigo que compartilha preocupação com os impactos dessas práticas na qualidade e nos custos assistenciais, ele apontou, após identificarmos que está muito natural e que quase todo colega frequenta:






Realmente dá vontade [de jogar a toalha]... Também gostamos, e muito, de socializar...







Talvez reflita exatamente o que a indústria quer de nós em cenário onde são poucos que efetivamente cruzam limites éticos além de pequenos lapsos. A tal maioria, no entanto, garante, por razões óbvias, a tão eficiente 'Cortina de Fumaça'. 

Se você tem experiências semelhantes e deseja discussão impessoal e, portanto, anônima, nos procure. Teremos o maior prazer em divulgar. 

segunda-feira, outubro 14, 2024

O Ciclo de Influência e a importância também de olhar para as instituições

Em uma postagem recente, discutimos o contraste entre o controle rigoroso imposto aos "médicos comuns" e a liberdade irrestrita concedida às "instituições médicas". Durante uma atividade recente em que um dos editores deste site representou a Choosing Wisely Brasil, um participante perguntou sobre como selecionar e manter médicos que valorizem custo-consciência. A resposta destacou a complexidade do cenário, mas apontou algumas possibilidades:

"Que tal começarmos a prestar mais atenção aos conflitos de interesse e às mentalidades do tipo 'mais é sempre melhor'? Uma simples olhada nas redes sociais de muitos médicos já revela parte disso. Atentar-se para o que está acontecendo no sistema também".

E onde isso se conecta?

Alguns congressos médicos, organizados por entidades científicas sem adequada transparência, vêm cobrando valores de inscrição exorbitantes. Para um evento específico que se aproxima, vários colegas nos informaram que só participarão se forem patrocinados por laboratório ou pela indústria de dispositivos médicos. Além de terem as inscrições pagas, parcela também receberá hospedagem em hotél de luxo em Jurerê Internacional. Em um cenário assim, é difícil acreditar que todos serão assíduos nas palestras, quando há uma estrutura tão atrativa à beira-mar.

Dessa forma, o ciclo se completa: a indústria exerce influência potencial tanto dentro quanto fora do evento (literalmente na praia), beneficiando, de uma forma ou outra, a respectiva entidade científica ao pagar por inscrições tão caras, mesmo para aqueles que possivelmente não aproveitarão bem o conteúdo. Isso reforça a importância de regular essas instituições. Faz mais sentido investir esforços em garantir que a "estrutura oficial" funcione de forma transparente e ética, assegurando uma educação médica de qualidade para quem realmente se dispuser a aproveitar o congresso, do que focar apenas em controlar médicos que, hospedados em locais paradisíacos, acabam dispersos. E quem sabe assim não se consegue inclusive inscrição mais em conta para aquele que não aceita essas benesses? Bem como melhor moldar o sistema para aqueles que valorizam custo-consciência?

sexta-feira, setembro 06, 2024

Resolução CFM 2.386/24

 Conheça a nova resolução aqui.

Não estão abrangidos:

  • - a distribuição de amostras grátis de medicamentos e/ou produtos médicos;
  • - os rendimentos e dividendos decorrentes de investimentos em ações e/ou cotas de participação em indústrias da área da saúde; e
  • os benefícios recebidos por sociedades científicas e entidades médicas.


Já discutimos isto antes:


O que você pensa? 

    segunda-feira, agosto 26, 2024

    Essas situações sempre me suscitam reflexões sobre o quão suficiente são declarações de conflitos de interesse e o quanto devemos gerenciá-los melhor. Os interesses da indústria aqui ilustrados são legítimos. Devem, porém, ser defendidos de dentro?


    sábado, agosto 24, 2024

    Campanhas de vacinação em parceria com a indústria farmacêutica promovem com mais alcance vacinas ou a imagem das próprias empresas?

    É impossível não se questionar sobre objetivos dessas campanhas a favor de vacinas fortemente atreladas à indústria farmacêutica: ajudam a imagem das vacinas tanto quanto das próprias empresas?

    Primeiro porque seriam facilmente elaboráveis sem a participação dessas indústrias;

    Segundo porque a imagem das farmacêuticas não tem porque ajudar a das vacinas:
    Já no início dos anos 2000, as empresas farmacêuticas ficaram em 11º lugar entre 15 indústrias quando cidadãos norte-americanos foram questionados sobre "fazer um bom trabalho ao servir os seus consumidores”. Tiveram pior classificação apenas empresas como as de tabaco e companhias petrolíferas. A survey, que envolveu quase mil adultos norte-americanos, mostrou que a proporção de entrevistados com uma atitude positiva em relação à indústria farmacêutica caiu de 79% em 1997 para 44% em 2004 – uma queda maior do que a de qualquer outra indústria. Em 2018, uma de outro instituto não trouxe dados mais animadores para esse pessoal. Já na pandemia, ficou claro que promessas de segurança das grandes farmacêuticas em relação às vacinas não são suficientes para gerar confiança pública.

    Recente publicação da Deloitte ajuda a esquentar a discussão. Se médicos e as suas associações profissionais são das fontes mais confiáveis de informações relacionadas com saúde, por que precisariam meter a indústria dos números aí de cima em mensagens que desejam cheguem e cheguem bem ao grande público? 

    Isso levanta a suspeita de que pode haver um interesse oculto em associar as farmacêuticas a nomes confiáveis, talvez para se aproximar de uma parcela da sociedade que já aderia às vacinas desde o início da pandemia e, especialmente, a partir dos ensaios clínicos. A parcela mais científica da sociedade... 

    Algumas avaliações sugerem ganho de imagem da Big Pharma ao longo da pandemia. Se surgiu a partir do atrelamento de sua imagem a coisas mais bem avaliadas pela sociedade, como associações médicas e, a despeito de toda crescente hesitação, as próprias vacinas, pode ser que muitas inserções na mídia trazendo o binômio médico-vacinas possam estar servindo primordialmente para melhorar a imagem da indústria farmacêutica, não? Quanto estariam ganhando grupamentos médicos nessas grandes campanhas integradas? 


    Leitura complementar:
    "Construir a confiança do público nas imunizações exige mais do que um compromisso por parte dos fabricantes de vacinas. Exige, entre outras coisas, garantir que as empresas tenham todos os incentivos para libertar apenas vacinas que sejam seguras e dar aos cidadãos a garantia de que, se tiverem uma reacção adversa, serão cuidados".

    domingo, junho 09, 2024

    Confiar cegamente em biomarcadores para poupar boleiros é ciência de boa qualidade?

    Ah, o dilema dos técnicos sobre poupar ou não os jogadores! Maurício Carvalho, o jornalista esportivo, trouxe à tona essa discussão numa participação recente na rádio. Parecia estar num jogo de pingue-pongue entre dar crédito ao que gostaria, variáveis como idade, esforço acumulado e medidas subjetivas como percepção de fadiga ou de excesso, e render-se à "ciência", representada por biomarcadores como a famosa CK.

    É engraçado como muitas vezes associamos ciência apenas aos tubos de ensaio e aos laboratórios, quando na verdade, é um complexo processo que vai muito além disso. E por vezes não passa por isso. 

    Apesar de biomarcadores como a CK definitivamente fazerem parte da fisiologia da performance atlética humana, e de não ser pouco o conhecimento que possuímos deste cenário e seus mecanismos, a ponto de gerar lindas figuras complexas como esta abaixo, a predição individual de lesões em jogadores de futebol ainda é mais desafio, e arte, do que uma realidade a partir de alguma bala de prata


    Atletas são como carros de corrida, sujeitos a fadiga e perda de performance conforme a corrida o número de corridas ou conforme a própria corrida avança. Quando o equilíbrio entre o estresse e a recuperação é desproporcional, pensa-se que pode ocorrer "overreaching" e possivelmente "overtraining". Embora a CK reflita o esforço muscular da exigência anterior, sua utilização como ferramenta diagnóstica de risco é ainda discutível, como apontam inúmeras análises.

    É bastante comum na Medicina "uma coisa ser uma coisa, outra coisa ser outra coisa". Autores deste artigo de 2004, poe exemplo, não negam a fisiopatologia, mas apontam que "achados inconsistentes e a incapacidade de distinguir a fadiga aguda resultante do treinamento intensificado de "overreaching" ou "overtraining" não apoiam o uso da maioria dos marcadores bioquímicos como ferramentas diagnósticas no esporte". Nesse outro de 2016, com brasileiros envolvidos, sinalizam que "biomarcadores de inflamação, dano muscular e estresse oxidativo após exercícios de alta intensidade foram descritos anteriormente; no entanto, é necessária uma maior compreensão do seu papel no período de recuperação pós-exercício".

    Em 2002, com o título Diagnosis of Overtraining - What Tools Do We Have?, os autores dizem que "pode-se especular que o aumento da atividade da CK poderia ser usado para prevenir lesões... Um diagnóstico definitivo de overtraining, entretanto, utilizando esses parâmetros, não é possível [a luz da evidência disponível]". Segundo eles, as únicas ferramentas disponíveis para diagnosticar overtraining seriam subjetivas, como a sensação de “pernas pesadas” e relatos de distúrbios do sono.

    Em revisão mais recente, apontam que:

    "Embora os biomarcadores tenham sido estudados no desempenho humano, há uso limitado para determinar estados de lesão (tanto risco de lesão, gravidade da lesão e recuperação da lesão)"

    Sugerem ainda que precisamos conhecer mais os intervalos de referência específicos para atletas e que não há comprovação de utilidade na predição de fraturas de estresse ou de lesões ligamentares.

    Nada disto deveria surpreender. Uma das minhas especialidades, Medicina Intensiva, é também rica em mecanismos e  discussões sobre biomarcadores. Sabemos que quanto mais os nossos intensivistas pesquisadores os estudam, mais dúvidas geralmente têm. Um exemplo aqui.

    Se Maurício, ao trazer essa discussão, sugestiona, sem nem saber bem porquê, uma abordagem mais científica do tema, reconhecendo a necessidade de considerar diversas informações, incluindo o contexto do próximo jogo, para tomar decisões adequadas sobre a gestão do grupo de atletas. Por tudo que se conhece sobre biomarcadores em diversas áreas da Medicina, não deveria surpreender o fato de não serem determinísticos. No máximo, moldariam probabilidades. Devem ser, pelo menos, analisados em conjunto com informações outras - no caso do futebol profissional, a importância do próximo confronto e a condição do atleta do lado e que eventualmente tem um biomarcador aceitável, mas tudo para estar "no limite".

    Se eu ou o ChatGPT perdemos alguma referência que modifique essas conclusões, por favor compartilhe. Assim traz o ChatGPT:




    Ah, a vastidão da internet, onde as ideias brotam como grama em campo de futebol! Sobram na internet referências a este e outros vários biomarcadores para aplicação no esporte de alto desempenho. É tentador mergulhar nesse mar de informações e se perder nas narrativas promissoras sobre biomarcadores e desempenho esportivo. Qualquer um poderia construir argumentos convincentes sobre seu potencial revolucionário. No entanto, como diz o ditado, a prova está no pudim - ou, no caso, nos estudos científicos revisados. Por mais que haja plausibilidade, se o interesse for boa ciência, será preciso mostrar algum estudo científico que tenha passado por nossas eventualmente breves ou limitadas revisões.  

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