terça-feira, maio 29, 2012

Agenda da Anvisa mostra lobby de parlamentares em favor de indústrias

Somente em 2011, 140 audiências foram pedidas por deputados e senadores com o diretor-presidente Dirceu Barbano
Empresas farmacêuticas, laboratórios químicos e a indústria de alimentos usam políticos para tentar pressionar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na defesa de seus interesses. Um levantamento da própria agência reguladora constatou que, em 2011, deputados, senadores e governadores solicitaram 140 audiências com o diretor-presidente Dirceu Barbano ou com a cúpula da entidade. A maioria pedia uma intervenção para defender a liberação da produção ou comercialização de um produto.
O lobby veio à tona com o escândalo relacionado ao senador Demóstenes Torres (sem partido). Em 21 de setembro de 2011, ele agendou uma reunião com Barbano e informou que o tema a ser tratado seria próstata. Na noite anterior, mudou a agenda e informou que falaria sobre o laboratório Vitapan. Mais tarde foi revelado que essa empresa pertencia ao bicheiro Carlos Cachoeira.
A Anvisa possui um procedimento rígido para receber empresas que tenham processos em andamento e afirma que apresentará todos os dados sobre o caso da Vitapan. Os representantes são recebidos por técnicos em salas onde as conversas são gravadas. Uma minuta do encontro é produzida e todos assinam.
A direção, porém, tem um procedimento mais flexível com políticos, ainda que uma minuta também seja feita. A direção admite que não costuma recusar o pedido de audiência de um parlamentar, em respeito ao Legislativo.
Demóstenes, por exemplo, não seria o único parlamentar naquele dia a visitar Barbano. Às 8h30, o diretor-presidente teria uma reunião com o deputado federal e vice-líder do governo na Câmara, Odair Cunha (PT-MG), para falar de ``registro de medicamentos``. O encontro, segundo a agenda, teria a participação ainda de um ``sr. Fernando``.
Na agenda de Barbano para 10 de agosto aparece uma reunião com o senador Paulo Davin (PV-RN). ``Pauta: Registro Olanzapina.nuplan``, diz a agenda. No dia 6 de setembro, outro caso. ``Reunião com deputado Gabriel Guimarães (PT-MG) - Pauta: Processos da Empresa JHS Laboratório Químico e Empresa Sex Fred Indústria e Comércio de Artefatos de Borracha``, afirma a agenda.
Dois dias depois, outro encontro com um deputado acompanhado por uma empresa: ``Reunião com deputado Mauro Rubens (PT-GO) e Eribaldo Egidio, da Associação dos Laboratórios Nacionais e do Laboratório Equiplex``. A última informação que consta nos arquivos da agência é a de que dois dos medicamentos tratados no encontro tiveram o pedido de registro arquivado e um deles, indeferido.
Já o senador Benedito de Lira (PP-AL) foi até a Anvisa falar do Lifal, laboratório farmacêutico de Alagoas. O também senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pediu ainda reunião e foi acompanhado por Christine Jerez Telles Battistini, da Intemational Myeloma Foundation. Na pauta: ``autorização do uso da Lenalidomida no Brasil para tratamento do Mieloma``.
A agenda ainda mostra reuniões nas quais uma verdadeira delegação de parlamentares visitou a Anvisa. Em 25 de maio de 2011, por exemplo, deputados federais do PCdoB-BA, PCdoB-MG, PDT-GO, PMDB-PB, PT-BA, PV-RJ, PR-RJ, PSB-ES e PV-SP estiveram na agência para tratar do banimento dos medicamentos inibidores de apetite.
A romaria continuou em 2012. No dia 25 de abril, os deputados Geraldo Thadeu (PSD-MG), Manoel Salviano (PSB-CE), Diego Andrade (PSD-MG) e Eleuses Paiva (PSD-SP) foram até agência para uma reunião com Barbano sobre ``processos de interesse da empresa Farmace Indústria Químico-Farmacêutica Cearence Ltda``, como consta na agenda da Anvisa.
Inferno. Em entrevista ao Estado, Barbano admite a realização das reuniões e afirma que a pressão é grande. ``Se você não recebe os caras (os parlamentares), sua vida vira um inferno``, diz. Segundo ele, se a reunião não é marcada, os parlamentares se queixam de falta de respeito com o Congresso.
Segundo Barbano, ``mais da metade`` das 140 audiências em 2011 foi para atender o interesse de alguma indústria. ``A maioria é de empresas do Estado dele (do parlamentar), da cidade dele. Qual é a relação dele com a empresa, não é problema meu. É um problema ético dele``, diz.
Fonte: JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE / GENEBRA - O Estado de S.Paulo

Auto-conhecimento

Um exercício muito bacana para compreensão do significado e do impacto de conflitos de interesse é refletir sobre como reagimos a situações do dia-a-dia e tentar perceber os efeitos de influências externas em nossas próprias tomadas cotidianas de decisões.

Recentemente fui convidado para palestrar e moderar atividade sobre Times de Resposta Rápida em hospital que pretende implantar um. Se entendo que podem ser importantes quando muito bem aplicados e contextualizados, também é verdade que considero existir uma série de outras intervenções mais custo-efetivas para serem aproveitadas por organizações interessadas em segurança do paciente. Mais do que isto: percebo que não raramente instituições usam dos TRR’s de tal forma que acredito poderem aumentar erros na assistência à saúde, por incremento da fragmentação do cuidado, entre outras razões.

Pois bem...

Aceitei participar. E nitidamente modulei meu pensamento. As razões para isto foram muitas, e nem sempre as enxerguei. Na largada, justifiquei para mim mesmo a participação por ser uma atividade, vista numa perspectiva mais ampla, de segurança do paciente, tema sobre o qual tenho realmente me debruçado nos últimos tempos. Avaliando o modelo proposto, nos moldes de algumas oficinas de quality improvement que vivenciei no exterior, pensei: "é muito mais uma atividade por brainstorming para gerar um quality improvement project do que qualquer outra coisa. Fantástico!". Paralelamente, era evidente em mim a satisfação por estar prestes a fazer algo que gosto muito - estar neste tipo de situação, dar aulas, debater temas que considero apaixonantes ou controversos. O quê terá pesado mais???

Chegando lá, percebi que, provavelmente para não frustrar a expectativa de quem organizou o workshop, modulei meu discurso, incentivei TRR's sem trazer a tona todas as críticas que entendo sejam necessárias nesta discussão. Um julho, darei palestra no Safety2012 sobre o mesmo tema, onde "livre" para abordá-lo (escolhemos, em comum acordo, não somente o tema, mas o enfoque), farei diferente. Embora não tenha havido, em nenhum momento, nenhuma interferência direta do organizador desta outra atividade sobre como eu deveria pautar o assunto, sinto, sem nenhum problema em reconhecer, que me deixei pautar. Reforcei com a experiência vivida que sentimentos que envolvem desejos, conscientes ou não, de reciprocidade são sim capazes de modificar o resultado final de nossas "apresentações" cotidianas. Na maioria das vezes sem grandes consequências ou sem estarmos fazendo nada errado. Mas acontece. E eventualmente...

Aproveito para recomendar leitura: Why We Lie - WSJ

Médicos, drogas e Cachoeira

Por Renato Ferraz - Correio Braziliense
 
É inevitável: você chega a um consultório médico e, sem exceção de dia ou período, encontra aqueles representantes de laboratórios farmacêuticos, também chamados de promotores de medicamentos. Eles são inconfundíveis pela vestimenta, pela maleta clássica, pelo carinho artificial dedicado às secretárias. O que fazem, afinal, quando invadem nossos horários e se trancam com os doutores e doutoras? Demonstram que determinada substância cura de tristeza a frieira? Dão amostra grátis? Não, desta vez não sei a resposta, caros leitores. Uso essa figura para tentar entender, e peço a ajuda de vocês para tanto, por que essa relação médico-paciente-laboratório-Estado é tão confusa, quase sempre prejudicial ao paciente.
 
Eu uso, por exemplo, um remédio relativamente simples, que funciona como um suplemento para ajudar na digestão. Volta e meia, ele e seu genérico ou similar somem das farmácias, das distribuidoras. Simultaneamente, quase sempre. Quando um volta à tona, vem com embalagem diferente e, estranhamente, com preço majorado. Recentemente, tive que usar outra droga dessas (um novo produto e, portanto, sem a concorrência genérica, por causa da patente). Reclamo do preço e o balconista, gentil, me diz: Liga no laboratório que ele te dá desconto. É, deu certo: fiz um cadastro e, ao comprar uma caixa, consegui sem esforço um abatimento de 70%. Depois, pensei: qual empresa reduz tanto o preço sem ter prejuízo; qual é a razão oculta dessa caridade? É só para fidelizar o senhor, diz o rapaz da drogaria. Fidelizar no consumo de drogas? Ah, meus Deus! Isso é legal?
 
Aí, descubro que ainda há médico prescrevendo determinada marca, com o nome de fantasia e não simplesmente o princípio ativo do medicamento, como manda a regra. Depois, lembro-me que é comum laboratórios financiarem viagens de médicos. Ou de associações de classe. Mas isso é justo, legal, imoral, engorda? Em seguida, vou ler a bula e não consigo: o corpo da letra exige a necessidade de uma lupa e o linguajar é estupidamente técnico. Penso na Anvisa, na ANS, no Estado em si que deveriam nos proteger. Fico com raiva, tento esquecer o assunto, pego um exemplar do Correio para ler (ou reler) e vejo que até Carlinhos Cachoeira é dono de laboratório.
 
Bem, desisto do remédio e vou tomar um uísque: se pensar mais nesse troço acabarei tendo que ingerir um antidepressivo.
 
Fonte: Correio Braziliense

segunda-feira, maio 28, 2012

Pharma Invasion


Corrupção acadêmica

Muitas pessoas que viram meu documentário "Trabalho Interno" (2010) acharam que a parte mais perturbadora é a revelação sobre amplos conflitos de interesses em universidades e institutos de estudos e entre pesquisadores acadêmicos. Espectadores que assistiram às minhas entrevistas com eminentes professores universitários ficaram estarrecidos com o que saiu da boca deles.

Mas não deveríamos ter ficado surpresos. Nas duas últimas décadas, médicos já comprovaram de modo substancial a influência que o dinheiro pode exercer num campo supostamente objetivo e científico.

...

Hoje em dia, se você vir um célebre professor de economia depondo no Congresso ou escrevendo um artigo, são boas as chances de ele ou ela ter sido pago por alguém com grande interesse no que está em debate. Na maior parte das vezes esses professores não revelam esses conflitos de interesse. Além disso, na maior parte do tempo suas universidades se fazem de desentendidas.

quinta-feira, maio 24, 2012

Somos humanos, demasiado humanos

Somos vulneráveis a erros, somos vulneráveis a conflitos de interesse.

Agindo de forma consciente ou não. Agindo com boas intenções (e a maioria esmagadora das pessoas age desta forma) ou não.

Ter esta noção é requisito básico para adentrar na complexa discussão sobre conflitos de interesse.

Fica aqui postado vídeo curto e instigante do psicológo Dan Ariely para auto-reflexão.




"None are more hopelessly enslaved than those who falsely believe they are free."
                                                                                  (Johann Wolfgang von Goethe)

terça-feira, maio 22, 2012

Para reflexão e discussão... sobre presentes, viagens e fantasias

Na mídia, em Portugual:
http://www.rcmpharma.com/actualidade/saude/15-05-12/corrupcao-medicos-ilibados-por-viagem-na-malasia-meio-de-congresso

terça-feira, maio 15, 2012

Peso da indústria pode estimular mais cirurgias de coluna


Por CLÁUDIA COLLUCCI

Cirurgias de coluna, especialmente as de hérnia de disco, estão na mira do governo dos EUA. Os custos com esse procedimento passaram de US$ 345 milhões em 1997 para US$ 2,24 bilhões em 2008.

Como pano de fundo, há os conflitos de interesses entre cirurgiões e a indústria de próteses (pinos, placas e outros materiais), que já estão sendo investigados pelo Congresso.

A suspeita é que os médicos estariam indicando cirurgias desnecessárias em troca de comissões.

Um relatório divulgado em 2011 pelo "Wall Street Journal" mostrou que cinco cirurgiões do Norton Hospital, no Kentucky, receberam, cada um, US$ 1,3 milhão da Medtronic, líder em dispositivos para cirurgia na coluna.

A empresa afirmou que o dinheiro se refere a royalties, porque os médicos ajudaram no desenvolvimento dos dispositivos. O curioso é que esses médicos estão entre os que mais indicam as cirurgias no sistema público de saúde americano, o Medicare.

Só os parafusos usados para perfurar a coluna custam US$ 2.000 cada um. Mas, segundo o Medicare, o custo de fabricação não passa de US$ 100.

"Você pode facilmente colocar US$ 30 mil em materiais durante uma cirurgia de hérnia de disco", diz Charles Rose, cirurgião de coluna da Universidade da Califórnia que criou o grupo "Associação de Ética Médica" para combater os conflitos de interesse.

"Muitas cirurgias estão sendo feitas em situações em que não há evidência de que vão funcionar", afirmou à Folha Rosemary Gibson, autora do livro "The Treatment Trap".

TAMBÉM NO BRASIL

No Brasil, a situação é parecida, segundo o cardiologista Bráulio Luna Filho, conselheiro do Cremesp (Conselho Regional de Medicina). "O problema é que ninguém denuncia. Mas o que anda acontecendo é criminoso."

Segundo ele, o Cremesp discute criar uma resolução estadual que discipline os conflitos de interesses na área de medicamentos e de dispositivos.

"Sabemos dos exageros, mas fazemos de conta que não sabemos", diz Guilherme Barcellos, pesquisador especializado em conflitos de interesse.

Em 2010, o CFM (Conselho Federal de Medicina) publicou uma resolução que proíbe comissões para a prescrição de materiais implantáveis, órteses e próteses. A resolução também impede que o médico exija a marca do material a ser usado.

sexta-feira, maio 11, 2012

Texto dos editores publicado na Revista Ser Médico, do Cremesp

Tivemos a satisfação de poder ver nossa discussão crescer através de revista cuja tiragem é de 120.000 exemplares. Versão resumida deste texto foi publicada na edição de abril – maio – junho.

Médicos e indústria farmacêutica: uma relação complexa e delicada

Leia

O assunto vem sendo discutido cada vez mais no mundo inteiro. São incontáveis os exemplos de problemas decorrentes destas relações e da forma como têm sido expostos, com evidente desgaste à imagem da corporação médica e impacto negativo para os pacientes e a sociedade de um modo geral. Por outro lado, é inquestionável a importância social e econômica da indústria farmacêutica e a inevitável existência de pontos de convergência entre ela e a medicina, tanto históricos quanto estratégicos. Nosso foco não será apontar exemplos de relacionamentos perversos entre médicos e indústria, mas estimular a reflexão sobre como podemos avançar nesta discussão a partir de 5 diferentes perspectivas.



1. Descriminalização do debate

Para lugar nenhum iremos quando se busca somente e obsessivamente os “médicos corruptos”. Os Conselhos de um modo geral têm cada vez mais sinalizado que estão alertas e dispostos a punir, enquanto a mídia expõe sucessivos casos de graves violações de conduta. Isto tudo apenas aumenta a cortina de fumaça sobre o tema.

Outra cultura é necessária, onde conheçamos e reconheçamos efetivamente como se dão as relações entre médicos e a indústria farmacêutica, seja enquanto pessoas físicas ou através de suas entidades ou empresas. A evidência empírica demonstra que são absolutamente raros os casos onde, ao se encontrarem, médicos e representante da indústria olham um para o outro e dizem: “é eu e você, e dane-se o paciente”. No varejo, estes contatos costumam ocorrer entre profissionais dedicados, e principalmente com médicos bem intencionados acreditando estar fazendo boas coisas, ou, pelo menos, não prejudicando terceiros da maneira perversa como costumam apresentar.

Quem já vivenciou as entidades médicas, fazendo congressos, muito possivelmente também já se deparou com a dúvida: "estão pedindo isto, é?!" (se referindo a patrocinadores). "Não será por uma palestra que comprometeremos o todo, não é?". Quem não ficaria em dúvida? A cadeia de causalidade que vai do patrocínio à prescrição é longa, complexa, difícil de delinear e compreender e, se jogada no terreno da moralidade, geradora de barreiras cognitivas que tornam os profissionais impermeáveis ao debate.

Se os Conselhos precisam estar de prontidão para agir em face de condutas que mereçam punição, eles próprios devem propiciar e estimular fóruns de discussão e avaliação de caráter não punitivo. Espaços capazes de AJUDAR os médicos a compreender e administrar eticamente estas relações. A mediar conflitos de interesse que, per se, não podem ser caracterizados como antiéticos ou imorais, sob pena de criminalização do cotidiano das relações humanas.

2. Foco no problema

Outro desafio é procurar separar estas questões de outras que, muito comumente, vêm em seu bojo: pautas ideológicas ou políticas, por exemplo. Tem sido freqüente a instrumentalização desse debate por ativismos de todo tipo (anti-capitalismo, anti-Medicina, anti-medicações, anti-psiquiatria, e suas contrapartes), produzindo um cenário falsamente moralizado, artificialmente polarizado e, conseqüentemente confuso, que inviabiliza a construção de um espaço de “ética possível”, como se houvesse uma condição ideal a priori da qual não se pode abrir mão. A ética das relações humanas é uma construção histórica e social, portanto é possível sua existência em qualquer tempo, lugar ou sistema econômico.

Personalidades como Marcia Angell, mundialmente conhecida por importantes contribuições a esse debate, há muito perderam o rumo e passaram do ponto. Com sua opção militante estão mais atrapalhando do que ajudando.

3. Menos críticas e mais hipóteses, em busca por soluções.

Qual o valor e a eficácia das declarações de conflitos? Quais as interfaces eticamente admissíveis? Quais os limites de cada interface e da relação delas com o todo? Como garantir Diretrizes de maior qualidade e credibilidade? E na educação médica (básica ou continuada) e nos congressos, simpósios satélites, e áreas de exposição, o que pode e o que não pode? Como verdadeiramente garantir que essas orientações sejam efetivas? Precisamos de novos modelos de financiamento para os eventos? Fundo único para os eventos anuais das sociedades oficiais e que emitem pontuação para a recertificação do título de especialista? Como pontua aquele profissional que já não aceita viagens e desejaria atualização profissional mais independente da indústria? O principal conflito de interesse a ser trabalhado entre os médicos é realmente o financeiro, ou o que envolve facilidades para reconhecimento e status?

4. Mais ciência e menos “achismo”: testar, avaliar, rediscutir, modificar.

Possuímos experiência com evento grande, em resort de luxo, com mais de uma dezena de palestrantes internacionais, que foi destaque no jornal “Folha de São Paulo” enquanto evento livre de indústria farmacêutica. Percebemos que, na prática, não receber dinheiro diretamente da indústria, sem regular os conflitos dos educadores convidados, tem pouco alcance, com imenso aumento das dificuldades em viabilizar financeiramente a iniciativa. Portanto, a solução não é tão simples.

Em outro projeto bastante conhecido aqui no Rio Grande do Sul, agora de educação médica à distância, anunciávamos sua independência da indústria, mas o fato é que também fomos incapazes de garantir a inexistência de vínculos por parte dos educadores envolvidos e alguns viéses. O problema é complexo. É obvio apenas o fato que precisamos conhecer experiências, avaliar resultados e buscar alternativas, multiplicando as mais efetivas e discutindo as dificuldades, sem a cortina de fumaça hoje existente.

5. Mudança de cultura em todos os níveis

A regulação tem que começar por quem tem mais poder e transbordar para o dia-a-dia do médico mais comum. Quase todas as iniciativas até hoje pensadas em nosso meio insinuaram regular apenas o profissional da “ponta”, deixando de fora quem toma decisões maiores e, conseqüentemente, as associações médicas.

Sugere-se com essas medidas que, entre outras coisas, quem ocupa cargos de lideranças teria automaticamente maior capacidade de gerenciar conflitos de interesse, o que não é necessariamente verdade, pelo contrário. Supervaloriza-se o efeito da canetinha recebida pessoalmente do laboratório, em detrimento dos grandes financiamentos “institucionais”.

Em suma, precisamos dar a esse debate a dimensão que ele merece e aportar a ele aquilo que a medicina tem de melhor: sua ciência e sua ética. Esse é o desafio.

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