quarta-feira, dezembro 18, 2013

O Colesterol Politicamente Correto

Artigo de Luis Cláudio Correia, fazendo um contrapondo parcial ao de Drauzio Varella

"Ao analisar criticamente evidências, confesso que mantenho um viés de desconfiança da indústria farmacêutica, pois esta frequentemente propõe condutas lucrativas, porém não suficientemente embasadas. No entanto, precisamos reconhecer propostas que, embora lucrativas, sejam clinicamente benéficas. Estatinas reduzem risco de infarto em pessoas com colesterol elevado." LEIA MAIS EM MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS

O próprio Luis Cláudio Correia fez críticas às novas recomendações em Guideline ACC/AHA sobre Colesterol: The Good, the Bad and the Ugly, demonstrando que sabe criticar, bem como defender uso de medicamentos. Neste contexto, se acabamos defendendo posicionamentos que beneficiam a indústria farmacêutica, paciência: nosso foco é a Medicina Baseada em Evidências.

Tem sido freqüente a instrumentalização desse debate por ativismos de todo tipo (anti-capitalismo, anti-Medicina, anti-medicações, e suas contrapartes), produzindo um cenário confuso, que inviabiliza a construção de um espaço de “ética possível”, como se houvesse uma condição ideal a priori da qual não se pode abrir mão. Nosso pressuposto é de que a ética das relações humanas é uma construção histórica e social, portanto é possível sua existência em qualquer tempo, lugar ou sistema econômico.

É com esta mensagem que concluímos os trabalhos de 2013.

Bom natal e feliz 2014!

Multinacional farmacêutica não vai mais pagar a médicos para promover medicamentos

A GlaxoSmithKline, uma das maiores multinacionais farmacêuticas, decidiu não pagar mais viagens e palestras a médicos para a promoção de seus medicamentos.

A empresa britânica também mudará a forma de remunerar seus propagandistas, que deixarão de receber de acordo com o número de receitas prescritas pelos médicos que eles visitam.

A decisão, anunciada anteontem, é inédita entre as multinacionais farmacêuticas e entrará em vigor nos países onde a empresa atua a partir de 2014. Nos EUA, um programa-piloto já está em vigor desde 2011.

Em nota, a GSK no Brasil disse que seguirá as determinações da matriz. Informou que a empresa vem tomando uma série de medidas com o objetivo de aumentar a transparência de suas práticas.

Por décadas, as companhias farmacêuticas têm pago médicos para falar a favor de seus medicamentos em congressos e conferências. Como formadores de opinião, eles influenciam na decisão de outros profissionais.

Vários estudos, no entanto, têm demonstrado que essas práticas geram grandes conflitos de interesses e podem levar a prescrições inadequadas (desnecessárias ou mais caras) aos pacientes.

No caso da GSK, a decisão vem no momento em que a empresa é alvo de investigação na China por pagamentos ilegais a médicos e autoridades do governo. Suspeita-se que a empresa pagasse médicos para viajar a conferências que nunca ocorreram.

Nos EUA, a GSK encabeça a lista das farmacêuticas recorrentes em penalidades.

Andrew Witty, o CEO da empresa, disse que as mudanças não têm relação com as investigações na China e que fazem parte dos esforços da empresa de estar em consonância com a atualidade.

"Nós já vínhamos nos perguntando se não haveria outras diferentes e mais eficazes formas de operação do que os caminhos que nós, como indústria, temos operado nos últimos 30, 40 anos?"

Segundo a GSK, a empresa não vai mais pagar aos profissionais de saúde para falar sobre seus produtos ou doenças que tratam e tampouco apoiá-los financeiramente para assistir a conferências médicas. A empresa não informou o quanto economizará com as medidas.

O laboratório informou ainda que continuará pagando aos médicos honorários de consultoria para pesquisa de mercado e que também vai estudar novas alternativas para colaborar com a educação médica, com informações claras e transparentes.

Fonte: Cláudia Collucci, Folha de São Paulo

Ligações perigosas: indústria farmacêutica, associações de pacientes e as batalhas judiciais por acesso a medicamentos

Reflexão sobre as ligações entre a indústria farmacêutica e as associações de pacientes, resultando em novas estratégias de expansão do mercado que podem agravar o panorama da saúde brasileira em relação à judicialização e ao uso crítico e responsável de medicamentos.

Cresce abuso na prescrição de drogas para deficit de atenção

Mais uma vez a jornalista da Folha mostrou porque é especialista em saúde. Consegue ir além do muito mais fácil dualismo simplório. Para muitos, inclusive médicos, é mais confortável colocar-se no lado que dá remédio para todo mundo, ou no lado que não quer dar para ninguém. Em matéria sobre TDAH, Cláudia Collucci trouxe pontos de vistas que reforçam a existência do TDAH, "uma desordem legítima que impede o sucesso na escola, no trabalho e vida pessoal", bem como o espaço para sua medicalização, ao mesmo tempo em que é capaz de criticar excessos e exageros.

CLIQUE NA FIGURA E LEIA


segunda-feira, dezembro 09, 2013

Rastreamento de Câncer de Próstata


Hoje, "jovem" da minha idade, 37 anos, perguntou-me se fez muito errado em "riscar" um PSA da lista de exames que um renomado médico de Porto Alegre, sócio proprietário de uma bela e bem sucedida organização de "prevenção, qualidade de vida, bem-estar e saúde", havia lhe solicitado. Assintomático e sem história familiar, carregava mitos em relação a possibilidade daquilo lhe conduzir ao toque retal. Desconhecia qualquer outro risco da investigação ou possíveis desdobramentos.

Inicialmente disse que não gostaria de opinar. Imediatamente refleti, mentalmente, o significado daquela atitude: estava abdicando de ser médico. Sei que "não estava médico" naquele momento, por se tratar de um conversa informal. 

Eis que fui provocado por um terceiro. E não me aguentei!

"Bah, Guilherme tem uma visão um tanto quanto radical nestas questões de prevenção, não acha importante", disse.

Discuto várias questões controversas e confesso que minha tendência pende quase sempre para o lado conservador. Mas no caso em questão, não há controversa até que evidências contrárias surjam. Não sou eu quem diz, é a própria Sociedade Brasileria de Urologia, com toda sua tendência intervencionista: "A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) acaba de atualizar suas recomendações para o câncer de próstata e lança um livro com a compilação desses dados durante o 34º Congresso Brasileiro de Urologia, de 16 a 20 de novembro, em Natal (RN). Vinte e cinco especialistas - entre eles, urologistas, oncologistas e radioterapeutas - se debruçaram por dois anos sobre os últimos estudos da doença para definir diretrizes a serem seguidas pelos médicos brasileiros. Entre as novas indicações da entidade está o aumento da idade para diagnóstico precoce do câncer de próstata: 45 anos para homens com casos da doença na família ou negros e 50 anos para os demais. Antes a recomendação era de, respectivamente, 40 e 45 anos. "É uma tendência mundial essa mudança. Ela é baseada nos trabalhos científicos publicados nos últimos anos", diz o presidente da SBU".

Isto é o que pensa quem descobriu o PSA.

Respondi que é por causa de gente que faz má Medicina, pedindo testes inadequadamente, que vamos todos abraçados para o fundo do poço: médicos e pacientes, o sistema de um modo geral. 

Naturalmente, mudamos de assunto. Por óbvio, também não foi assim que pude "ser médico".

Não está fácil...

Assim como existe o "rei dos camarotes", há os "reis da prevenção" - e seus discursos, inegavelmente, são sedutores:  


Quem não quer não ter câncer de próstata?

Luis Cláudio Correia, colaborador deste espaço, escreveu Screening para Ca de Próstata - Há Evidências? em seu outro Blog.

Mais recentemente a US Preventive Services Task Force publicou recomendações que, se são questionáveis em alguns pontos, não deixam dúvida quanto ao que fazer com indivíduo com menos de 40 anos, assintomático e sem história familiar. 

sábado, dezembro 07, 2013

Iniciativa semelhante no Chile

MÉDICOS SIN MARCA es una agrupación chilena de médicos que busca promover un ejercicio clínico responsable, basado en evidencia y libre de las influencias de la propaganda y los incentivos provenientes de la industria farmacéutica y de dispositivos médicos.


quarta-feira, dezembro 04, 2013

Darwin e a prática da "Salami Science"



Em 1985, ouvi pela primeira vez no Laboratório de Biologia Molecular a expressão “Salami Science”. Um de nós estava com uma pilha de trabalhos científicos quando Max Perutz se aproximou. Um jovem disse que estava lendo trabalhos de um famoso cientista dos EUA. Perutz olhou a pilha e murmurou: “Salami Science, espero que não chegue aqui”. Mas a praga se espalhou pelo mundo e agora assola a comunidade científica brasileira.

“Salami Science” é a prática de fatiar uma única descoberta, como um salame, para publicá-la no maior número possível de artigos científicos. O cientista aumenta seu currículo e cria a impressão de que é muito produtivo. O leitor é forçado a juntar as fatias para entender o todo. As revistas ficam abarrotadas. E avaliar um cientista fica mais difícil. Apesar disso, a “Salami Science” se espalhou, induzido pela busca obsessiva de um método quantitativo capaz de avaliar a produção acadêmica.

No Laboratório de Biologia Molecular, nossos ídolos eram os cinco prêmios Nobel do prédio. Publicar muitos artigos indicava falta de rigor intelectual. Eles valorizavam a capacidade de criar uma maneira engenhosa para destrinchar um problema importante. Aprendíamos que o objetivo era desvendar os mistérios da natureza. Publicar um artigo era consequência de um trabalho financiado com dinheiro público, servia para comunicar a nova descoberta. O trabalho deveria ser simples, claro e didático. O exemplo a ser seguido eram as duas páginas em que Watson e Crick descreveram a estrutura do DNA. Você se tornaria um cientista de respeito se o esforço de uma vida pudesse ser resumido em uma frase: Ele descobriu… Os três pontinhos teriam de ser uma ou duas palavras: a estrutura do DNA (Watson e Crick), a estrutura das proteínas (Max Perutz), a teoria da Relatividade (Einstein). Sabíamos que poucos chegariam lá, mas o importante era ter certeza de que havíamos gasto a vida atrás de algo importante.

Hoje, nas melhores universidade do Brasil, a conversa entre pós-graduandos e cientistas é outra. A maioria está preocupada com quantos trabalhos publicou no último ano – e onde. Querem saber como serão classificados. “Fulano agora é pesquisador 1B no CNPq. Com 8 trabalhos em revistas de alto impacto no ano passado, não poderia ser diferente.” “O departamento de beltrano foi rebaixado para 4 pela Capes. Também, com poucas teses no ano passado e só duas publicações em revistas de baixo impacto…” Não que os olhos dessas pessoas não brilhem quando discutem suas pesquisas, mas o relato de como alguém emplacou um trabalho na Nature causa mais alvoroço que o de uma nova maneira de abordar um problema dito insolúvel.

Essa mudança de cultura ocorreu porque agora os cientistas e suas instituições são avaliados a partir de fórmulas matemáticas que levam em conta três ingredientes, combinados ao gosto do freguês: número de trabalhos publicados, quantas vezes esses trabalhos foram citados na literatura e qualidade das revistas (medida pela quantidade de citações a trabalhos publicados na revista). Você estranhou a ausência de palavras como qualidade, criatividade e originalidade? Se conversar com um burocrata da ciência, ele tentará te explicar como esses índices englobam de maneira objetiva conceitos tão subjetivos. E não adianta argumentar que Einstein, Crick e Perutz teriam sido excluídos por esses critérios. No fundo, essas pessoas acreditam que cientistas desse calibre não podem surgir no Brasil. O resultado é que em algumas pós-graduações da USP o credenciamento de orientadores depende unicamente do total de trabalhos publicados, em outras o pré-requisito para uma tese ser defendida é que um ou mais trabalhos tenham sido aceitos para publicação.

Não há dúvida de que métodos quantitativos são úteis para avaliar um cientista, mas usá-los de modo exclusivo, abdicando da capacidade subjetiva de identificar pessoas talentosas, criativas ou simplesmente geniais, é caminho seguro para excluir da carreira científica as poucas pessoas que realmente podem fazer descobertas importantes. Essa atitude isenta os responsáveis de tomar e defender decisões. É a covardia intelectual escondida por trás de algoritmos matemáticos.

Mas o que Darwin tem a ver com isso? Foi ele que mostrou que uma das características que facilitam a sobrevivência é a capacidade de se adaptar aos ambientes. E os cientistas são animais como qualquer outro ser humano. Se a regra exige aumentar o número de trabalhos publicados, vou praticar “Salami Science”. É necessário ser muito citado? Sem problema, minhas fatias de salame vão citar umas às outras e vou pedir a amigos que me citem. Em troca, garanto que vou citá-los. As revistas precisam de muitas citações? Basta pedir aos autores que citem artigos da própria revista. E, aos poucos, o objetivo da ciência deixa de ser entender a natureza e passa a ser publicar e ser citado. Se o trabalho é medíocre ou genial, pouco importa. Mas a ciência brasileira vai bem, o número de mestres aumenta, o de trabalhos cresce, assim como as citações. E a cada dia ficamos mais longe de ter cientistas que possam ser descritos em uma única frase: Ele descobriu…

de Fernando Reinach / O Estado de S.Paulo, através de Ciência brasileira adere ao ‘padrão salame’ de produção e avaliação científica

terça-feira, dezembro 03, 2013

Colesterol e conflitos de interesse, por Mateus Dornelles Severo

Recentemente, foram lançados pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e pela American Heart Association novas diretrizes para o manejo da dislipidemia. A diretriz brasileira foca em metas de colesterol mais baixas, já a diretriz americana tem uma abordagem baseada no risco do indivíduo em ter eventos cardiovasculares, como enfartes ou isquemias. Em comum, as duas diretrizes têm o potencial de aumentar, e muito, o número de pessoas que precisariam tomar estatinas, isto é, medicação para reduzir o colesterol. Eis a questão!

Apesar dessas “novas regras” terem sido amplamente divulgadas pela mídia e parecerem soar como “boa notícia” para grande parte da população, precisamos manter o olhar crítico. As duas diretrizes, em vários pontos, não vão ao encontro da literatura científica disponível. Isso quer dizer que não são embasadas em dados objetivos, advindos de estudos clínicos bem desenhados, mas, sim, na “opinião de especialistas”. Esse é o problema! Tanto o grupo brasileiro quanto o americano não são suficientemente isentos de conflitos de interesse. Ou seja, muitos dos especialistas responsáveis pela redação dessas diretrizes recebem dinheiro ou outro tipo de suporte da indústria farmacêutica.

As estatinas são ótimos medicamentos para quem tem doença cardiovascular estabelecida. Contudo, conforme dados recentemente publicados na revista médica BMJ, para as pessoas que ainda não tiveram enfarte ou isquemia e têm risco menor de 20% em 10 anos de tê-los, as estatinas falham em reduzir o risco de morte e tem um custo-benefício questionável, já que pelo menos 140 pessoas precisam ser tratadas para prevenir um evento. Além disso, 18% dos usuários de estatina apresentam efeitos, como dores musculares e fraqueza, diabetes mellitus, catarata, problemas de ereção e diminuição da capacidade cognitiva.

Outro agravante são os métodos utilizados para estimar o risco. Como as calculadoras de risco foram desenvolvidas em momento histórico diferente, mostram um risco falsamente alto, o que acaba por “criar” mais pessoas doentes.

Não é apenas opinião pessoal. Existe grande debate. Dados americanos estimam crescimento potencial de 70% na prescrição de estatinas para pessoas saudáveis após a divulgação das diretrizes. E o grande beneficiário não será você que lê este texto, mas a indústria farmacêutica, além de alguns poucos formadores de opinião. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 80% do risco de eventos cardiovasculares se deve ao fumo, ao sedentarismo e à alimentação inapropriada. Então, antes de procurar por uma “bala mágica”, mude seus hábitos. Seu coração agradece!

Fonte: Diário de Santa Maria

Parecer sobre Declaração de Interesse e Conflito de Interesses em Saúde e Investigação Biomédica - Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida de Portugal

Foi tornado público em julho deste ano Parecer que inclui as seguintes questões:

1. As declarações de interesse de todos os intervenientes relevantes na área das ciências da vida e da saúde (incluindo sociedades científicas, associações profissionais, associações de doentes e jornalistas na área da saúde) devem ser obrigatórias, enquanto instrumento que realiza o princípio da responsabilidade, a pública prestação de contas e a transparência do exercício profissional.

2. Quem realiza, autoriza ou avalia estudos, trabalhos, projetos, dissertações, bem como instituições de ensino e investigação ou ciclos de estudo, deve igualmente fazer declarações de interesses.

3. Tais declarações devem ser atualizadas sempre que se verifique o patrocínio: a) de qualquer intervenção/comunicação científica pública (oral ou escrita); b) de qualquer reportagem, notícia ou artigo de opinião sobre saúde ou investigação científica, na imprensa científica ou outra.

4. Os profissionais de saúde:
a) devem recusar ofertas de valor significativo (a definir por lei), sem prejuízo do legítimo pagamento de serviços prestados por parte de empresas ou entidades com interesses relevantes na área da saúde; b) não devem fazer apresentações públicas ou publicar artigos científicos que beneficiem indevidamente a indústria, que sejam por ela condicionados ou contenham partes substanciais redigidas por quem não é identificado como autor ou não seja, como tal, devidamente reconhecido; c) devem recusar a prestação de serviços de consultoria que não sejam baseados em contratos escritos.

5. As declarações de interesses devem ser públicas, estando facilmente acessíveis na página eletrónica da(s) instituição(ões) de saúde, de ensino ou de investigação em causa.

6. Os profissionais de saúde ou investigadores que tenham participado na promoção de qualquer método, procedimento, dispositivo ou fármaco que a evidência científica venha a revelar ineficiente ou desadequado têm a obrigação moral de se empenhar na divulgação desta informação.

7. A participação na formação pós-graduada deve ser feita de forma institucional de acordo com os interesses profissionais e áreas de afinidade dos investigadores e profissionais de saúde.

8. As instituições de ensino superior e investigação (faculdades de medicina, escolas na área das ciências da vida e da saúde, biomedicina e biotecnologia) devem estabelecer regras de conduta para os seus docentes e investigadores e incluir no seu curriculum formal unidades curriculares que permitam aos estudantes adquirir competências nesta área.

9. Todos os investigadores que submetam artigos e apresentem comunicações com o patrocínio da indústria, ou de qualquer outro mecenas ou financiador, devem referir o respetivo apoio no artigo, na apresentação ou no material de divulgação científica em questão.

10. As declarações de interesses dos investigadores na área clínica devem ser incluídas na informação prestada ao sujeito do estudo para efeitos de consentimento informado livre e esclarecido.

11. Tratando-se de declarações de interesse que envolvam quantias financeiras (subsídios, bolsas, viagens, alojamento, consultadoria, pagamentos), devem as mesmas ser detalhadas e do conhecimento da direção/presidência da respetiva instituição.

12. Previamente à realização de estudos e à avaliação de projetos e resultados dos mesmos, deve ser feita declaração de interesses detalhada (listando todos os potenciais interesses financeiros e não-financeiros relevantes).

13. As reitorias, as direções académicas, as direções dos centros de investigação (públicos e privados) e as direções hospitalares devem ter particular cuidado para que seja manifesto nos seus relatórios de contas ou de atividades as ações de mecenato de que beneficiem.

14. Nas instituições universitárias e de investigação deve existir uma declaração de interesses sempre que estas possuam interesses financeiros em empresas incubadas no espaço da mesma.

15. Os profissionais de saúde que exerceram cargos de direção na área da saúde na gestão pública e que exerceram atividade em instituição privadas devem facultar uma declaração de interesses antes da sua nomeação.

16. Em princípio, quem ocupe cargos de direção nas áreas da saúde não deve acumular outros cargos de direção na mesma ou noutras instituições de saúde (ou a elas associadas). E, bem assim, quem seja responsável pela gestão da carreira de familiares diretos que lhe estejam subordinados, deve, tanto quanto possível e com bom senso, evitar tais situações.

17. Os membros de grupos de trabalho que elaboram normas de orientação clínica, assim como os membros de comissões, júris de procedimentos pré-contratuais e os consultores que apoiam os respetivos júris ou que participam na escolha, avaliação, emissão de orientações na área do medicamento e do dispositivo médico no âmbito dos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde, bem como de outros serviços do Ministério da Saúde, devem tornar públicas as respetivas declarações de interesse. Na constituição destes grupos deve garantir-se:
a) que entre os seus membros exista uma maioria de elementos sem conflito de interesse; b) que o seu presidente não esteja em situação de conflito de interesses; c) a exclusão de elementos que tenham relações financeiras e/ou comerciais com empresas que produzam fármacos ou dispositivos que possam ser afetados pelas normas a produzir; d) a divulgação pública da declaração de interesses.

18. A política de gestão da instituição no que respeita ao pagamento de prémios e incentivos, incluindo a avaliação e os serviços contratualizados, deve ser devidamente publicitada.

19. Devem ser elaboradas e divulgadas “Normas de Orientação” e formulários em sítios de instituições e agências relevantes para investigação em Ciências da Vida, como o Ministério da Saúde ou o Ministério da Educação e Ciência, procurando homogeneização e coerência, sempre que possível numa perspetiva europeia.

20. Os membros das Comissões de Ética devem, em cada reunião, fazer a respetiva declaração de interesses relativamente aos pontos da ordem de trabalho prevista, não devendo participar na discussão e votação desses pontos.

21. A análise e gestão das declarações devem fazer parte do trabalho das Comissões de Ética institucionais.

22. A veracidade e completude das declarações podem ser verificadas por uma entidade eventualmente criada para o efeito.

23. Declarações de interesse falsas ou incompletas devem ser objeto de sanção. Do mesmo modo, o não cumprimento do dever de recusa em participar em decisão sobre a qual tenha conflito de interesses deve também ser objeto de sanção.

Pode ler este documento na íntegra aqui.

Fonte: Blog Falemos de Saúde... e não só!, de Jorge Cruz, Portugal

segunda-feira, dezembro 02, 2013

A agonia do colesterol, por Drauzio Varella

Nunca me convenci de que essa obsessão para abaixar o colesterol às custas de remédio aumentasse a longevidade de pessoas saudáveis.

Essa crença - que fez das estatinas o maior sucesso comercial da história da medicina - tomou conta da cardiologia a partir de dois estudos observacionais: Seven Cities e Framingham, iniciados nos anos 1950.

Considerados tendenciosos por vários especialistas, o Seven Cities pretendeu demonstrar que os ataques cardíacos estariam ligados ao consumo de gordura animal, enquanto o Framingham concluiu que eles guardariam relação direta com o colesterol.

A partir dos anos 1980, o aparecimento das estatinas (drogas que reduzem os níveis de colesterol) abafou as vozes discordantes, e a classe médica foi tomada por um furor anticolesterol que contagiou a população. Hoje, todos se preocupam com os alimentos gordurosos e tratam com intimidade o "bom" (HDL) e o "mau" colesterol (LDL).

As diretrizes americanas publicadas em 2001 recomendavam manter o LDL abaixo de cem a qualquer preço. Ainda que fosse preciso quadruplicar a dose de estatina ou combiná-la com outras drogas, sem nenhuma evidência científica que justificasse tal conduta.

Apenas nos Estados Unidos, esse alvo absolutamente arbitrário fez o número de usuários de estatinas saltar de 13 milhões para 36 milhões. Nenhum estudo posterior, patrocinado ou não pela indústria, conseguiu demonstrar que essa estratégia fez cair a mortalidade por doença cardiovascular.

Cardiologistas radicais foram mais longe: o LDL deveria ser mantido abaixo de 70, alvo inacessível a mortais como você e eu. Seríamos tantos os candidatos ao tratamento, que sairia mais barato acrescentar estatina ao suprimento de água domiciliar, conforme sugeriu um eminente professor americano.

Pois bem. Depois de cinco anos de análises dos estudos mais recentes, a American Heart Association e a American College of Cardiology, entidades sem fins lucrativos, mas que recebem auxílios generosos da indústria farmacêutica, atualizaram as diretrizes de 2001.

Pasme, leitor de inteligência mediana como eu. Segundo elas, os níveis de colesterol não interessam mais.

Portanto, se seu LDL é alto não fique aflito para reduzi-lo: o risco de sofrer ataque cardíaco ou derrame cerebral não será modificado. Em português mais claro, esqueça tudo o que foi dito nos últimos 30 anos.

A indústria não sofrerá prejuízos, no entanto: as estatinas devem até ampliar sua participação no mercado. Agora serão prescritas para a multidão daqueles com mais de 7,5% de chance de sofrer ataque cardíaco ou derrame cerebral nos dez anos seguintes, risco calculado a partir de uma fórmula nova que já recebe críticas dos especialistas.

Se reduzir os níveis de colesterol não confere proteção, por que insistir nas estatinas? Porque elas têm ações anti-inflamatórias e estabilizadoras das placas de aterosclerose, que podem dificultar o desprendimento de coágulos capazes de obstruir artérias menores.

O argumento é consistente, mas qual o custo-benefício?

Recém-publicado no "British Medical Journal", um artigo baseado nos mesmos estudos avaliados pelas diretrizes mostrou que naqueles com menos de 20% de risco em dez anos as estatinas não reduzem o número de mortes nem de eventos mais graves. Nesse grupo seria necessário tratar 140 pessoas para evitar um caso de infarto do miocárdio ou de derrame cerebral não fatais.

Ou seja, 139 tomarão inutilmente medicamentos caros que em até 20% dos casos podem provocar dores musculares, problemas gastrointestinais, distúrbios de sono e de memória e disfunção erétil.

A indicação de estatina no diabetes e para quem já sofreu ataque cardíaco, por enquanto, resiste às críticas.

Se você, leitor com boa saúde, toma remédio para o colesterol, converse com seu médico, mas esteja certo de que ele conhece a literatura e leu com espírito crítico as 32 páginas das novas diretrizes citadas nesta coluna.

Preste atenção: mais de 80% dos ataques cardíacos ocorrem por conta do cigarro, vida sedentária, obesidade, pressão alta e diabetes. Imaginar ser possível evitá-los sentado na poltrona, às custas de uma pílula para abaixar o colesterol, é pensamento mágico.

Fonte: Folha de S. Paulo
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