quinta-feira, setembro 30, 2021

O maior erro na pandemia é dar palco para pseudocientistas que se alimentam da polarização caricatural.

Nas falsas controversas da COVID-19, não há mais personagens para se combater nas redes sociais especificamente. Porque restam lá três grupos:

a) os que realmente não compreendem e precisam ser educados, não combatidos. E bate-bocas ou chacotas - que muito eu próprio já fiz - não educam ninguém;

b) os que não querem sob nenhuma hipótese ser educados, São membros passivos, hipnotizados, de uma verdadeira SEITA; 

c) os que fazem por estratégia pessoal já muito bem organizada e, como tal, não mais a partir de conflitos de interesse (pode assim ter começado), mas alçando esses mesmo interesses a primários, principais. São candidatos a líderes da seita! E, ao jogarem para os que não querem sob hipótese nenhuma ser educados, só têm a ganhar com repercussões de qualquer natureza, mesmo contundentes e muito bem fundamentadas críticas.

Os “c” estão já submersos em conflitos de interesse não financeiros e, eventualmente, financeiros.

E os “c” atingiram um ponto de não retorno óbvio. Se recuarem, perdem o respeito (percepção de bem moral) que possuem. E, sim, possuem.

Esses candidatos a líderes da seita podem até ter dado a largada simplesmente por interpretações de mundo equivocadas, que enganaram e continuam enganando muita gente, vide as inúmeras falácias que levaram a inversões do ônus da prova na ansiedade por soluções para a epidemia. Mesmo queimando a largada, conquistaram respeito de muitos e provavelmente estavam profundamente carentes disso!!! A partir daí, o espiral todo se explica pela preenchimento de carências e egotrip.

Perderam automaticamente o respeito de outros e, na já longa caminhada, de tantos e tantos outros. Agora só lhes resta manter o respeito dos fiéis, até que da "Batalha" desista o último deles, em especial se for famoso, como o Presidente.

Então devem ser ignorados nas redes sociais, como se isso fosse sinônimo de molhar "Mogwais" ou alimentá-los após a meia-noite.

Podem e dever ser denunciados em todas as instâncias possíveis (seria como colocá-los à luz do sol), mas precisam ser solenemente ignorados nas redes sociais. Quando for hora de pressão pública, deveríamos aplicar formas de não identificá-los, por favor. Eles se multiplicam e se transformam com amor.  

 
Na verdade, no outro lado também tem amor - mas é doente, são relações abusivas. Evitemos ser cúmplices não intencionais. Conversemos com as vítimas apenas, com empatia e no tempo delas.  

quarta-feira, setembro 29, 2021

O cérebro ético na Medicina (o eu ético - o outro não)

Postagem originalmente em Saúde Business (2015), mas está desconfigurada lá. É ainda parte de um conteúdo maior, disponível aqui.


"Estudos em neurociência e psicologia sugerem que toda pessoa pode ser um pouco mais influenciável do que costuma pensar que seja. E não é surpreendente que médicos pensem que conflitos de interesses não os afetam pessoalmente, apenas aos outros.

Na avaliação de autores de diretrizes clínicas citada previamente (Choudhry et al., 2002), quando perguntaram se existia a possibilidade do relacionamento afetar recomendações, apenas 7% disse que sim - considerando suas próprias recomendações - mas praticamente 1/5 respondeu que o colega poderia ser influenciado. Vários são os trabalhos onde este resultado se repete. Reforça o paradoxo atual da civilização ocidental: cada um de nós, individualmente ou em grupos organizados, tem a crença de estar muito acima de tudo que aí está.

Ninguém aceita, ninguém aguenta mais, nenhum de nós pactua com o mar de lama. O problema é que, ao mesmo tempo, o resultado de todos nós juntos é precisamente tudo o que aí está, estamos muito aquém da somatória das nossas auto-imagens individuais ou corporativas (Blum, 1994; Sandel, 2005; Wojciszke, 2005; Bocian e Wojciszke, 2014).

Se é compreensível que a maioria de nós veja a si mesmo como pessoa ética que sob hipótese alguma colocaria sua objetividade a venda, isso atrapalha, e muito, a busca por soluções.


Possíveis soluções e outras considerações:

Em diversos espaços onde atuamos discutindo o tema, costumamos sugerir, genericamente:

1. Se existe uma fórmula para reconhecer antecipadamente indivíduos não éticos, para dividir pessoas em "do bem" e "do mal", a desconhecemos. Então nada mais lógico do que considerar soluções que independam disto, mesmo que possam trazer entraves para quem anda na linha;

2. Descriminalização do debate
Outra cultura é necessária, onde conheçamos e reconheçamos efetivamente como se dão as relações entre médicos e a indústria farmacêutica e de tecnologias, seja enquanto pessoas físicas ou através de suas entidades ou empresas. A evidência empírica demonstra que são absolutamente raros os casos onde, ao se encontrarem, médicos e representantes da indústria olham um para o outro e dizem: “é eu e você, e dane-se o paciente”. No varejo, estes contatos costumam ocorrer entre profissionais dedicados, e, principalmente, com médicos bem intencionados acreditando estar fazendo boas coisas, ou, pelo menos, não prejudicando terceiros da maneira perversa como se costuma apresentar o problema, seja na mídia leiga, seja pelas próprias entidades médicas que se atrevem a desbravar criticamente o tema. Quem já vivenciou o cotidiano das entidades médicas, fazendo congressos, muito possivelmente também já se deparou com a dúvida: "estão pedindo isto, é?!" (se referindo a patrocinadores). "Não será por uma palestra que comprometeremos o todo, não é?". Quem não ficaria em dúvida?? A cadeia de causalidade que vai do patrocínio à prescrição é longa, complexa, difícil de delinear e compreender e, se jogada no terreno da moralidade, geradora de barreiras cognitivas que tornam os profissionais impermeáveis ao debate;

3. Foco no problema
Outro desafio é procurar separar estas questões de outras que, muito comumente, vêm em seu bojo: pautas ideológicas ou políticas, por exemplo. Tem sido frequente a instrumentalização desse debate por ativismos de todo tipo (anti-capitalismo, anti-medicina, anti-medicações, anti-psiquiatria, e suas contrapartes), produzindo um cenário falsamente moralizado, artificialmente polarizado e, consequentemente confuso, que inviabiliza a construção de um espaço de “ética possível”, como se houvesse uma condição ideal a priori, um fundamentalismo[*] do qual não se pode abrir mão;

[*] De acordo com Houaiss (2009), fundamentalismo é “qualquer corrente, movimento ou atitude que enfatiza a obediência rigorosa e literal a um conjunto de princípios básicos; integrismo”.

4. Menos críticas e mais hipóteses, em busca por soluções;

5. Mais ciência e menos “achismo”: testar, avaliar, rediscutir, modificar;

6. Mudança de cultura em todos os níveis;
A regulação tem que começar por quem tem mais poder e transbordar para o dia-a-dia do médico mais comum. Quase todas as iniciativas até hoje pensadas em nosso meio insinuaram regular apenas o profissional da “ponta”, deixando de fora quem toma decisões maiores e, consequentemente, as associações médicas. Sugere-se com essas medidas que, entre outras coisas, quem ocupa cargos de liderança teria automaticamente maior capacidade de gerenciar conflitos de interesse, o que não é necessariamente verdade, pelo contrário. Supervaloriza-se o efeito da bugiganga recebida pessoalmente do laboratório, em detrimento dos grandes financiamentos “institucionais”;

7. É preciso reformularmos ontem o modelo de remuneração na Saúde, distanciando-se do fee for service.

Em suma, precisamos dar a esse debate a dimensão que ele merece e aportar a ele aquilo que a medicina tem de melhor: sua ciência e sua ética. Esse é o desafio.

quinta-feira, junho 10, 2021

Por que a contemporânea discussão circular entre quem estaria do lado da Ciência e quem seria do Lado Sombrio da Força, além de contraprodutiva, é excessivamente romântica, quase infantil?

Tal como movimentos que falam em "humanizar o médico", em nome de uma “escuta mais qualificada”, - ao mesmo tempo em que o mercado da saúde reduz cada vez mais o tempo de consulta ambulatorial (alguns para, no máximo, 15 míseros minutos) e aumenta o número de pacientes por médico na prática hospitalar onde há contratação direta -, enquanto o sistema não se moldar melhor para valorizar conhecimento/pensamento médico, profissionais tenderão, em média, a permanecer onde e como estão do ponto de vista do resultado cognitivo. E não praticaremos, sem inexoráveis importantes lacunas, medicina norteada por conhecimento científico atualizado por diversas razões. Mesmo os que valorizam e dominam MBE. 

Nem todos que vivem ou buscam viver da própria MBE (cursos e afins) se dão conta que, ao aparecerem com a nova evidência, provocando e sugerindo uma pequena revolução, mesmo que teórica, o fazem também porque simplesmente o ato valoriza a si próprios, os seus objetivos e as suas metas profissionais, naquele momento ao menos.

Já, médicos eminentemente assistenciais, se quiserem fazer o mesmo, em especial no território em que atuam, sobremodo existindo estruturas multidisciplinares hierárquicas e não estando no topo, além de contar habitualmente com sobrecargas do próprio trabalho, podem avançar em terrenos altamente movediços. De pressões e riscos que não trazem apenas ameaça de perderem aquela posição específica ou parcela do próprio dinheiro. É muito mais complexo! 


Existem, é verdade, pecados muito individuais nesse cenário, que passam por avareza e gula de um único profissional na relação com ele próprio (no sentido dos desejos e eventuais avanços que acabam por colidir com a ética, por exemplo). Mas quem não percebe o quão mais abrangentes e profundas são as questões que reforçam não apenas a cultura do overuse, mas principalmente a cultura do “sempre fiz assim” está se auto-enganando. Atrevo-me até a imaginar que muitos dos que hoje desafiam muito transparentemente o sistema através da 'Saúde Baseada em Evidências' o fazem porque atrelaram mecanismos de monetização ou apostam nisto. Outras opções são estar em “posições protegidas” e focar no que está fácil, como o confronto à pseudociência da COVID-19.

Estar em “posições protegidas” diz respeito a algumas pessoas dentro de estruturas do mercado da saúde que, a depender de quem são, a tal posição provocadora, "fora da caixa", por vezes até desconcertante, acaba funcionando como mídia indireta, sinal de que aquela instituição valoriza assuntos como humanização, ética ou ciência, sem necessariamente acontecer na ponta (ruído proposital então, não sinal). Consome a atenção das pessoas e produz efeito catártico sobre a opinião da comunidade, embora, muitas vezes, nem a pessoa que está na vitrine perceba a encenação - é tomada por vaidade e por uma ponta de esperança de que despertará mudanças, mesmo que lentas e gradativas.

Já o combate à pseudociência da COVID-19 reuniu todos com mínimo bom-senso, por mais que junto venham outros vários apenas surfando esta justa onda. É quase como "chutar cachorro morto". Não exatamente porque o outro lado até reage. Ocorre que vivem em tribalismo já caricatural. Mexer na estrutura dos conflitos de interesse dos grupamentos médicos que verdadeiramente dão as cartas em todo resto que aproxima a Medicina da pseudociência da COVID-19 (e não é pouco, exemplos aqui, aqui e muito outros neste Blog), por sua vez, é buraco muito muito muito muito mais embaixo...



Na prática, lastimo dizer que muitos dos cloroquiners sabem mais bioestatística e SBE do que profissionais que ganharam notoriedade durante a pandemia. Já havia sinalizado isto aqui:

E ficou evidente aqui também: 

Outro exemplo diz respeito a um dos mais famosos cloroquiners gaúchos. O conheci de perto anos atrás. Posso garantir que sabe MBE, diria até que mais do que a média dos que dominam tantos os fundamentos quanto as ferramentas necessárias para sua aplicação prática. Anos atrás já utilizou deste conhecimento para promoção "armada" de um dispositivo médico de magnitude de efeito tão questionável que nunca emplacou.

Há, nos dois lados da Força, tanto no da "Luz" quanto no das "Trevas", gente boa e gente ruim em bioestatística e SBE. É muito provável que, em média, predominem os melhores no da "Ciência". Ainda assim, não será por tentar demarcar melhor este terreno que resolveremos em maior escala o que meu amigo Luis um dia chamou de Medicina Baseada em Fantasia. Precisamos de menos Jedi e mais humildade - para começo. Adiante disto, mudanças na fisiologia do sistema médico devem ser buscadas, tais como instigamos em material para o CREMESP em 2012, quase 10 anos atrás então, com muito pouco eco.

Sempre que o objetivo é manter o "status quo médico", surge o discurso de tratar todos a priori como "éticos" e "autônomos", junto com a promessa de punição, "caso algo seja descoberto". É assim desde muito antes da pandemia, e uma mesma pessoa ou entidade muda de lado conforme a perspectiva

sexta-feira, maio 21, 2021

Quando o vendedor principal é, estrategicamente, o seu colega médico, não o propagandista.

Uma colega muito próxima de editor deste Blog recebeu convite, por propagandista da indústria farmacêutica, para aulas remuneradas sobre um medicamento em específico:

"Começamos em 800 reais por atividade, com boas perspectivas de aumentos graduais. Sem conflitos de interesse!"


Segundo o propagandista, a indicação partiu do Dr. X, um parceiro da especialidade, conhecido speaker da indústria farmacêutica.

A colega então contou que não pretendia aceitar, mas que antes preferia conversar com o colega, explicar as razões (não se sente confortável com este tipo de proximidade com a indústria). "Nós nos damos bem, temos intimidade", disse ela. Depois diria ao propagandista que anda muito assoberbada e que não era momento. "Meu colega entenderá, mas o representante da indústria provavelmente não", concluiu. "Assim, espero que o colega logo adiante já indique outra pessoa, e não terei mais problemas com o representante da indústria. 

O editor deste Blog confrontou seu posicionamento: "Ambos são representantes da indústria! Mas acho improvável que o propagandista se ofenda ao receber um simples NÃO, bem assertivo e definitivo. Não precisa explicar, dar detalhes. Você já demonstrou ainda possuir um valor que eles reconhecem, irão continuar lhe tratando bem, das formas tradicionais e cujo formato parece não lhe incomodar. No entanto, muito provavelmente o colega irá pressionar você e, se acabar por emitir algum julgamento de valor, mesmo que subliminar, ele sim pode se ofender. Definitivamente não explique para ele as razões, ele não conseguirá entender".

Ela fez exatamente o que considerava na largada. E o colega não assimilou:

"Se tivesse algum problema, você acha que faria?".

Então ela, acuada, resolveu utilizar a desculpa de que anda muito assoberbada, que inicialmente havia considerado apropriada para o propagandista.

"Mas isto não é desculpa, eu preparo slides e materiais para você!".

FIM! Para nós, basta.

quinta-feira, abril 29, 2021

Negação à Ciência e Conflitos de Interesse

 


Texto anexo acima a partir da imagem aborda alguns elementos. Há outros como os ganhos financeiros dos profissionais que lucram com venda casada de consultas e "tratamento precoce". Assunto é instigante e pode ser desdobrado. 

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