Perceba, sem as chamadas "evidências" não há lugar na mesa dos guidelines. Este é o "viés de comissionamento” fundamental, o elefante na sala, porque a indústria farmacêutica controla e financia a maioria das pesquisas. Assim, a indústria farmacêutica e MBE puderam legitimar diagnósticos ilegítimos e, em seguida, ampliar as indicações de drogas, e agora os médicos podem prescrever um comprimido para cada doente (“a pill for every ill”). Os bilhões de prescrições anuais na Inglaterra em 2012, um aumento de 66% em uma década, não refletem um verdadeiro aumento da carga de doença nem o envelhecimento da população, apenas polifarmácia supostamente baseada em evidências. A missão corporativa da indústria farmacêutica é fazer-nos todos doente por melhor que nos sintamos. Quanto a programas de rastreio baseados em evidência, estes são os ceifadores combinados de bem-estar, produzindo fardos de supradiagnósticos e ansiedade.
A corrupção em pesquisa clínica é patrocinada pelo clamor de um marketing e promoção bilionário repassado como pós-graduação. Por outro lado, os manifestantes contrários desorganizados, têm não mais que cartazes e um par de canetas de ponta de feltro para transmitir a sua mensagem, e de qualquer forma ninguém quer ouvir pessimistas cansativos.
Quantas pessoas se preocupam com o fato da fonte da pesquisa estar contaminada por fraude, farsas diagnósticas, dados de curto prazo, regulamentação pobre, desfechos substitutos, questionários que não podem ser validados, e resultados estatisticamente significativos mas clinicamente irrelevantes? Os médicos especialistas que deveriam fornecer sua supervisão foram abduzidos. Mesmo o National Institute for Health and Care Excellence e a Colaboração Cochrane não excluem autores com conflitos de interesse que, portanto, têm agendas predeterminadas. A atual encarnação da MBE está corrompida, deixada de lado igualmente por acadêmicos e reguladores.
O que vamos fazer? Devemos, primeiramente, reconhecer que temos um problema. A investigação deve concentrar-se no que não sabemos. Devemos estudar a história natural da doença, investigar intervenções não medicamentosas, questionar os critérios diagnósticos, demarcar a definição de conflitos de interesses, e pesquisar os reais benefícios de medicamentos em longo prazo, promovendo o ceticismo intelectual. Se não resolvermos as falhas da MBE haverá um desastre, mas eu temo que haja um desastre antes que alguém ouça.
Excelente artigo em conteúdo, retrata um problema verdadeiro. Porém a solução está exatamente na medicina baseada em evidências.
ResponderExcluirHá uma diferença entre evidência (trabalhos científicos) e medicina baseada em evidências (MBE). Na nossa abordagem teórica, o primeiro princípio da MBE fala da necessidade de analisar criticamente a qualidade da evidência, antes de a considerar na decisão clínica. Ou seja, MBE não é o mesmo que se guiar por qualquer artigo científico publicado. MBE é se guiar por artigos de boa qualidade. Daí as classificação dos níveis de evidência, a exemplo do GRADE. A abordagem metodológica é capaz de reconhecer quase a totalidade destas evidências problemáticas. Até mesmo quando há fraudes, estas geralmente estão em artigos de baixa qualidade metodológica, dá para perceber.
Portanto, MBE não é o problema, é a solução. Não devemos denominar de MBE o uso de evidências inadequadas.