quarta-feira, dezembro 26, 2012

Papai Noel precisa de check-up cardíaco antes do Natal?




Vivemos hoje no estranho mundo do overdiagnosis, levando os nossos pacientes ao pesadelo de serem raptados da sua condição estável, para a criação de um problema (falso em sua magnitude) que será resolvido por uma solução (falsa em seu benefício).




Para ler o texto completo de Luis Cláudio Correia, clique aqui.

domingo, dezembro 23, 2012

Será que você pode confiar no seu cardiologista?

Divulgo texto de Ricardo Guerra.

Apesar de longo, vale muito a pena ler. Não concordo com tudo, como com a forma como estimula empoderamento de pacientes.

Aproveito para deixar um FELIZ NATAL e 2013!

quinta-feira, dezembro 06, 2012

Conflitos de interesses e cirurgias desnecessárias

Dois médicos de Uberlândia (MG) estão sendo acusados de implantar desnecessariamente marcapassos em pacientes da rede pública em troca de propina.

Segundo a denúncia que o Ministério Público Federal fez à Justiça, os médicos envolvidos recebiam de 5% a 10% do preço do produto. Em alguns casos, houve propina de mais de R$ 48 mil.

Embora não seja a primeira vez que denúncias desse tipo venham a público, elas representam apenas a pontinha do iceberg. A vasta maioria dos casos fica entre as quatro paredes dos centros cirúrgicos ou dos consultórios médicos.

Nas rodas médicas, no entanto, a informação de que cirurgiões recebem gordas comissões da indústria de órteses e próteses por indicarem seus produtos é uma velha conhecida.

O custo do material usado em uma cirurgia de coluna, por exemplo, chega a R$ 200 mil. E o bônus pago a médicos pode variar de 10% a 20% do valor, segundo fontes das áreas de ortopedia e neurocirurgia.

CUSTOS

Nos EUA, as cirurgias de coluna, principalmente as de hérnia de disco, estão na mira do governo. Os custos com esse procedimento passaram de US$ 345 milhões em 1997 para US$ 2,24 bilhões em 2008.

Como pano de fundo, há os conflitos de interesses entre cirurgiões e a indústria de próteses (pinos, placas e outros materiais), que já estão sendo investigados pelo Congresso americano. A suspeita é que os médicos estariam indicando cirurgias desnecessárias em troca de comissões.

Um relatório divulgado em 2011 pelo "Wall Street Journal" mostrou que cinco cirurgiões do Norton Hospital, no Kentucky, receberam, cada um, US$ 1,3 milhão da Medtronic, líder em dispositivos para cirurgia na coluna.

A empresa afirmou que o dinheiro se refere a royalties, porque os médicos ajudaram no desenvolvimento dos dispositivos. O curioso é que esses médicos estão entre os que mais indicam as cirurgias no sistema público de saúde americano, o Medicare.

Só os parafusos usados para perfurar a coluna custam US$ 2.000 cada um. Mas, segundo o Medicare, o custo de fabricação não passa de US$ 100.

Em seu livro "The Treatment Trap", Rosemary Gibson vai direto na jugular: "Muitas cirurgias estão sendo feitas desnecessariamente ou em situações em que não há evidência de que vão funcionar."

TRANSPARÊNCIA

No Brasil, a situação é parecida. Os próprios conselhos de medicina reconhecem o problema, mas alegam que ninguém denuncia. E sem denúncia, não há investigação.

Um passo importante seria o país aprovar, a exemplo do que fez os EUA, uma lei que obrigue as indústrias de medicamentos, equipamentos, órteses e próteses a divulgar a lista de médicos que prestam serviços a elas (por consultorias, palestras, pesquisas, etc) e o valor recebido. Nos últimos anos, 12 empresas já fazem isso por força de decisão judicial.

De posse dessas informações, o ProPublica, uma organização americana de jornalismo investigativo sem fins lucrativos, montou um banco de dados. Qualquer cidadão americano pode pesquisar, pela internet, se o seu médico recebe dinheiro da indústria. Basta colocar o nome dele e o Estado onde o profissional atua.

Conflito de interesse é um assunto antigo na história da medicina. A primeira citação, de Aristóteles, data de 2.500 anos atrás. Com o avanço das novas tecnologias em saúde, eles tendem a aumentar. Os médicos se defendem de insinuações desse tipo, dizendo que jamais receitariam um remédio pior só porque recebeu um brinde, uma viagem ou um jantar do laboratório que a fabrica.

Mas hoje existem indiscutíveis estudos mostrando o contrário. Uma metanálise publicada em 2000 no "Jama", por exemplo, concluiu que a pagar uma viagem para um profissional aumenta entre 4,5 e 10 vezes a chance de ele receitar as drogas produzidas pela patrocinadora. A eficácia desse marketing é tamanha que as farmacêuticas dedicam a ele até 30% de seus orçamentos.

E nós, pacientes, o que temos a ver com isso? Tudo. A começar pelos riscos que sofremos em cirurgias e procedimentos médicos desnecessários. No mínimo, deveríamos criar o hábito de perguntar ao médico se ele tem algum conflito de interesse na indicação de um determinado remédio ou procedimento. Seria ingênuo imaginar que isso, por si só, iria coibir propinas e afins, mas pelo menos criaria uma relação de mais transparência entre o médico e o paciente. O efeito inusitado -e que as más línguas juram que já anda acontecendo-- será o paciente começar a exigir a sua parte também...

Fonte: Cláudia Collucci, repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde.

terça-feira, novembro 27, 2012

Disease mongering/Prevenção IV

Ontem participei de atividade promovida pela Associação Gaúcha de Medicina de Família e Comunidade (AGMFC). Foi coordenada pelo médico português Luis Filipe Ribeiro de Almeida Gomes. Iniciou com uma breve apresentação do significado de Disease mongering e do conceito de Prevenção Quaternária e sua importância. Após, os participantes foram distribuídos em pequenos grupos. Receberam um texto para ser lido, e um resumo era apresentado ao grande grupo. Todos os textos eram sobre osteoporose. Haviam sido publicados em revistas de renome ou se tratavam de diretrizes portuguesas. E um se encaixava no outro, fazendo surgir naturalmente entre os participantes a conclusão que os organizadores da atividade fizeram questão de não entregar "pronta". No encerramento, Filipe apresentou mais alguns slides sobre o tema central, usando novamente muitos exemplos sobre osteoporose.

Eis as definições apresentadas:

Prevenção Quaternária - “Conjunto de acções que visam identificar os pacientes em risco de sobreprevenção, sobrediagnóstico e sobremedicalização, com o fim de os proteger de novas intervenções médicas inapropriadas e de lhes sugerir alternativas eticamente aceitáveis.”

Disease mongering - “Acção que visa alargar os limites diagnósticos de doenças pré-existentes e/ou a sua perigosidade e promovê-las publicamente, visando auferir lucro através da comercialização de medicamentos e/ou de procedimentos médicos a elas ligados.”

Sobre osteoporose, divulgou-se depoimento oficial de um dos membros do painel de peritos que criou os critérios diagnósticos:
“... durante dois ou três dias os peritos presentes andaram para trás e para a frente… tentando decidir com precisão onde é que, num gráfico de diminuição da densidade óssea, se devia traçar a linha… ao fim e ao cabo, foi uma questão de… ‘Bom... Temos que traçar a linha em algum sítio... e lembro-me que estava muito calor, e as pessoas estavam em mangas de camisa, sabem, tínhamos que andar para a frente, vocês compreendem... e, francamente, não me recordo quem é que se levantou e traçou a linha dizendo, ‘Bom, vamos lá fazer isto ”
Definida a doença em 1994, surgia em 95 uma nova classe de medicamentos – os bisfosfonatos. Os apresentadores mostraram neste ponto de um panorama histórico dados da criação, pela Merck, de uma organização não-lucrativa (o “Bone Measurement Institute”) que teria distribuído ou subsidiado máquinas de densitometria óssea mundo afora.

Sobre grupos de pacientes, apresentaram os seguintes dados: 
Cerca de 2/3 dos grupos de pacientes, como a National Osteoporosis Foundation*, recebe fundos provenientes da indústria.

* National Osteoporosis Foundation (patrocinada pela “Merck & Company”), desenha campanhas visando “… chamar a atenção para a importância de testar para a osteoporose…”
A seguir um resumo de alguns dos artigos trabalhados nos pequenos grupos:

- Bone densitometry is not a good predictor of hip fracture

The ability of bone densitometry to predict future fracture is overstated, and the data on which such claims are based are overinterpreted. Bone densitometry is a major industry (an estimated 34 000 densitometry machines were in existence worldwide in 2000), and much of the research into osteoporosis depends on it. Clinical trials test efficaciousness (can it work?) in selected groups. The clinician is concerned with effectiveness (does it work?) in unselected individuals. The challenge is to show the latter.

- Association of low-energy femoral fractures with prolonged bisphosphonate use: a case control study

We found a significantly greater proportion of patients with subtrochanteric/shaft fractures to be on long-term bisphosphonates than intertrochanteric/femoral neck fractures. Bisphosphonate use was highly associated with a unique X-ray pattern. Further studies are warranted.

- Atypical Fractures of the Femoral Diaphysis in Postmenopausal Women Taking Alendronate

Our results provide further evidence of a potential link between alendronate use and low-energy fractures of the femur. In light of the limitations of our study, a prospective study is indicated. Although many possible explanations exist, patients with the unique radiographic pattern shown here may represent a subgroup of the population that is more susceptible to the effects of prolonged suppression of bone turnover. Additional studies are needed to characterize this subgroup and to establish a clear association between atypical fractures of the femur and prolonged bisphosphonate treatment.

- Low-Energy Femoral Shaft Fractures Associated With Alendronate Use

A retrospective review was performed of patients with femoral shaft fractures admitted to a Level 1 trauma center between January 2002 and March 2007. Seventy low-energy fractures were identified. Low-energy fractures of the femoral shaft with a simple, transverse pattern and hypertrophy of the diaphyseal cortex are associated with alendronate use. This may result from propagation of a stress fracture whose repair is retarded by diminished osteoclast activity and impaired microdamage repair resulting from its prolonged use.

Deste tenho um pouco mais, pois foi o apresentado pelo meu grupo:

- Bisphosphonates and low-impact femoral fractures: Current evidence on alendronate-fracture risk 

Bisphosphonates are considered first-line treatment for postmenopausal osteoporosis. They are prescribed for millions of geriatric patients. Bisphosphonates 
– alendronate (Fosamax), risedronate (Actonel), ibandronate (Boniva), and zoledronic acid (Zometa, Reclast) – inhibit bone resorption by decreasing the activity of osteoclasts. Extensive studies have shown that therapy with bisphosphonates improves bone density and decreases fracture risk. 
...
When discontinued after 5 years, the physiologic effect of alendronate continues for at least 5 years, with no increase in morphometric vertebral fracture risk or in the risk of nonvertebral fractures compared with patients who continued to take alendronate for the full 10 years. This result is consistent with the fact that alendronate is incorporated into bone matrix and has a biological half-life of more than 10 years. Bone turnover is a natural part of maintaining bone health. When bone turnover is inhibited by bisphosphonates, microdamage that occurs regularly in bone but is normally repaired might accumulate after long-term use.
...
The reports of multiple cases of low-impact femoral fractures in patients who were taking alendronate for several years, a previously rare event, have therefore called for further study of the possible connection between alendronate and such fractures, as has been suggested by several authors. 
...
The odds ratio for this pattern was 139.33 for alendronate users, and was 98% specific to identifying alendronate users. The patients with this pattern had been using alendronate for a mean of 6.9 years.
...
The evolution of our understanding of the relationship between alendronate and femoral fractures parallels the growing understanding of the relationship between use of bisphosphonates and osteonecrosis of the jaw (ONJ), which may reflect a similar mechanism of bone injury. After numerous publications of multiple case reports, a population-based analysis of IV bisphosphonate therapy concluded that the hazard ratio of being diagnosed with inflammatory conditions or osteomyelitis of the jaw was 11.48 for recipients of IV bisphosphonates as compared with non-recipients. No randomized, controlled, doubleblind studies have been done regarding bisphosphonates and ONJ, and they are unlikely to be done in the future. Nonetheless, the case reports and population studies have led to the creation of a new syndrome in the dental world, bisphosphonate-associated osteonecrosis of the jaw (BON), and position papers on trying to prevent this disorder have been published by several organizations concerned with dental surgery. 
...
Although most cases of ONJ have occurred in patients treated with IV bisphosphonates (pamidronate, zoledronic acid), the finding of some cases related to oral bisphosphonates resulted in the recent publication by the American Dental Association of “Dental management of patients receiving oral bisphosphonate therapy
.” This document suggests that “because there is no validated diagnostic technique currently available to determine if patients are at increased risk for developing BON, it may be prudent to proceed conservatively in some cases.” 
...
the National Osteoporosis Foundation (NOF), in its Clinical Update Online of July 2008, said, “Results suggest that for most women, taking a 5-year ‘drug holiday’ after being on alendronate (5-10 mg/day) for 5 years does not increase fracture risk and might be advantageous. For women at high risk for vertebral fractures, continuing alendronate for a total of 10 years is a reasonable clinical option.”

Filipe entende que os benefícios conhecidos da estratégia global (exame + medicação) são propagandeados a partir da redução relativa de risco, e que se fosse feito a partir da redução absoluta de risco enxergaríamos tudo muito diferente. Leia mais sobre Pensamento Relativo versus Pensamento Absoluto.

Minha conclusão foi: Talvez pudéssemos adotar uma abordagem no meio do caminho entre a banalização do uso de densitometria e bisfosfonatos, e a daqueles que escutam estas coisas e saem defendendo a não solicitação do exame e a não medicalização de mais ninguém neste contexto.

sexta-feira, novembro 16, 2012

Há exatamente 2 anos... PASHA2010

Há dois anos, os três editores deste Blog participaram do evento, que foi destaque na Folha de São Paulo. Eu e Sami El Jundi como organizadores, Luis Cláudio Correa como palestrante, convidado em razão de nossa admiração pelo seu trabalho em prol da medicina baseada em evidências. Estava revendo agora o que disse Luis Cláudio sobre o PASHA2010 e compartilho com orgulho.

Definitivamente não foi um evento qualquer, como retratam as belas imagens geradas no deslumbrante Costão do Santinho:


Oportunidade para agradecimentos. Novamente meu muito obrigado a vocês:

- Palestrantes internacionais

- Sami El Jundi, Tiago Daltoé, Roger Pirath Rodrigues, Luciano Bauer Gröhs, João Luiz Marin Casagrande, Douglas Dal Más Freitas, Ricardo Parolin Schnekenberg, Lucas Zambon, Kleynér Petró e Renata Freitas - fundamentais para o PASHA2010, sendo que os dois últimos não são da área da saúde, contribuíram na gestão estratégica, financeira e política de negócios do evento, e foram essenciais para o sucesso (financeiro, inclusive, e apesar da não aceitação de qualquer financiamento da indústria de medicamentos). Não aceitação que pode, a meu ver, ser substituída por uma boa política de relacionamento com patrocinadores e apoiadores.

quinta-feira, novembro 15, 2012

Racionar ou racionalizar?

Recentemente, médicos do Memorial Sloan-Kattering Cancer Center, em Nova Iorque, definiram que não incluiriam um nova droga para tratamento do câncer de cólon. O tema, inclusive, foi claramente exposto em carta do New York Times, um dos principais jornais do planeta. Os motivos são práticos: o medicamento se mostrou, nos estudos científicos, como uma alternativa ao seu concorrente…. mas sem superioridade clinicamente relevante, e com custo mensal de 11 mil dólares, o dobro que a alternativa vigente.

Na maioria das indústrias e negócios, produtos com resultados equivalentes e dobro do preço muito improvavelmente entrariam no mercado. Em medicina, entretanto, isso acontece… e muito. Um dos motivos é simples: as entidades reguladoras internacionais, em sua maioria, somente avaliam se o medicamento funciona e é seguro, ao invés de julgar o que pareceria pertinente: se é melhor e se o preço está dentro do que a população julga razoável.

Abrimos, então, uma série de temas que podem (e deverão) ser pautados… desde o papel das agências até o conceito do que entendemos como “razoável”. Vamos focar, inicialmente, em questões práticas.

O mercado tem oferecido drogas interessantes, mas muitas delas somente com ganhos marginais ou inexistentes. A expectativa que se cria ao redor destes tratamentos é quase mística. Para ter uma idéia, levantamento realizado – publicado na New England Journal of Medicine em outubro de 2012 – entre pacientes com câncer de cólon em estádio avançado – cenário que os especialistas concordam se tratar de doença incurável e, portanto, esforços devem ser focados em qualidade de vida e controle de sintomas – a leitura de expectativa de cura era presente em mais de 80% dos entrevistados. Entendam: todo paciente tem direito de acreditar que pode ser a exceção, mas não pode se criar leitura mágica que obnubile a tomada de decisão racional. A questão prática é evidente: como vamos definir o que é “razoável” se sequer temos noção do ganho prognóstico real.

Ignorar custos de tratamentos não é mais aceitável. Quando escolhemos tratamentos, temos que considerar questões financeiras que podem aumentar e prolongar o desgaste pessoal e familiar. Mesmo que o paciente tenha um plano de saúde sem co-participação, evidente que não existe mágica. Estes custos criam um cenário atuarial que será pago pelos clientes. Reforço um conceito fundamental: este debate não é parte da discussão frente a frente com cada paciente individual, mas uma debate social que demanda presença técnica sensata. Sempre há o risco de que alguns segmentos da sociedade podem entender que medidas como estas são para “racionar” tratamentos, enquanto a palavra correta seria “racionalizar”.

O tema é tão importante que a American College of Physicians (ACP) publicou em 2012 a sexta edição do seu Manual de Ética e incluiu o seguinte item:

“Médicos tem responsabilidade de praticar assistência medica efetiva e eficiente, usando os recursos de forma responsável. Atendimento deve ser parcimonioso utilizando os métodos mais adequados para diagnostico e tratamento do paciente com respeito e usando os recursos sabiamente, contribuindo para garantir a equidade”.

Mesmo que o orçamento em saúde seja robustamente aumentado – o que é improvável a curto prazo – debates como este devem fazer parte das discussões profissionais e com a sociedade. E o exemplo dos colegas de Nova Iorque foi muito interessante: fizeram o debate e trouxeram para conhecimento público.

Texto originalmente publicado em Saúde Web. Autor: Stephen Stefani, do Blog Farmacoeconomia e Economia da Saúde.

domingo, novembro 04, 2012

Conflitos de interesse, associações médicas e o que fez a NASS

 

Registro aqui iniciativa da North American Spine Society, descrita através de Conflict of interest and professional medical associations: the North American Spine Society experience, Spine J. 2012 Oct 23. Foram muito lúcidos, tranquilos e objetivos nas premissas e razões apresentadas:

 - In order for medicine to progress, some forms of relationships between physicians and industry are necessary. Although such relationships can be professional, ethical, and very worthwhile, they are conflicted by their very nature and have the potential to create unconscious bias that might influence patient care. The potential value of the relationship does not mitigate this effect.

- COIs of a PMA and its leaders can have a more far-reaching effect on patient care than those of an individual physician.

E partiram para o enfrentamento da questão:

- Over several years, NASS instituted steps to reduce the impact of financial dependence on industry. At the annual meeting and other CME conferences, NASS no longer licenses the rights for a company to use the company name or logo on promotional items, such as hotel key cards, lanyards, or tote bags.

- North American Spine Society neither sells permission for satellite symposia nor accepts funding for meals or snacks during breaks.

- The exhibit hall is separated from meeting rooms, and therefore attendees need not pass through the exhibit hall to reach education venues. As a result, an attendee may be present at an NASS conference without interacting with industry advertising or representatives if he or she so chooses.

 
Consequências para a corajosa associação médica:

- The finances of NASS have remained sound. In fact, the overall revenue has increased. Annual meeting registration fees and exhibit hall booth fees were increased modestly, and the meeting duration was shortened, which decreased the costs. Although membership dues were increased slightly, membership has increased, and there has been even better attendance at the annual meeting and other CME courses.

- There were no meaningful serious effects to the implementation of divestment and disclosure policies.

Conclusões:

- In order for a PMA to maintain its integrity while fulfilling its mission and remaining financially solvent, it must work toward minimizing revenue from industry and maximizing revenue from sources that do not present conflict. Professional medical associations may need to increase dues to cover the costs of running the organization or increase membership recruitment efforts to make up for the loss.

- However, even in the current financial climate, NASS has shown that a PMA can manage its financial relationships with industry in a manner that minimizes influence and bias. The NASS experience has demonstrated that the fears of lost revenue and lost membership are not warranted. North American Spine Society is thriving today despite the risks taken to decrease its dependence on industry funding. The evaluations of our educational meetings have never been higher. The society is attracting larger number of members and in greater professional diversity. The NASS brand has become known for having speakers that speak from evidence, not bias. The same reputation for disclosure and divestment also permeates our health policy,coding, and advocacy efforts. We believe the NASS experience can serve as a model for other PMAs that are struggling with these important issues.

Muito legal!

terça-feira, outubro 16, 2012

O caso Truvada e a indústria farmacêutica

No último dia 17 de julho de 2012, a Folha de São Paulo deu em sua capa a seguinte notícia: “EUA aprovam remédio que evita infecção por vírus HIV”. É preciso destrinchar o que está por trás desta notícia, aparentemente bem dada. O FDA (“US Food and Drug Administration”), o equivalente a nossa Anvisa, que aprovou o uso do medicamento para “prevenção”, não é um órgão isento da influência da indústria farmacêutica. Muito pelo contrário. Apesar de regulado pelo governo americano, aceita indicação de pessoas comprometidas, o que a priori não as faz piores pesquisadores, mas para muitos seria um obstáculo para participar de agências deste porte.

O US Preventive Service Task Force (USPSTF), agência responsável por avaliar quais exames devem ser realizados nos famosos “check ups” e que recentemente passou a não recomendar mamografia para mulheres sem risco abaixo de 50 anos ou PSA para homens de qualquer idade, igualmente sem riscos ou sintomas, é mais isenta e criteriosa, preferindo incluir epidemiologistas do que especialistas, além de recusar a participação de pesquisadores com vínculo com a indústria farmacêutica ou da “prevenção”. No caso do Truvada, medicamento que combina Tenofovir/Emtricitabine e é usado há alguns anos para o tratamento da SIDA ou HIV positivo (incluindo HIV+ em casais sorodiscordantes), houve grande debate no FDA. Foi um dos mais longos da história da agência tendo durado mais de 12 horas. A aprovação se baseou em essencialmente dois estudos, um intitulado “Antiretroviral Prophylaxis for HIV Prevention in Heterosexual Men and Women” e o segundo “Preexposure Chemoprophylaxis for HIV Prevention in Men Who Have Sex with Men”, ambos publicados no New England Journal of Medicine, revista de grande reputação.

Por 19 a 3, o comitê do FDA recomendou o uso do Truvada para o HIV negativo de casais sorodiscordantes, ou seja, em risco, e por 12 a 8 votou pela aprovação de “outros indivíduos em risco de pegar HIV através da atividade sexual”, sem discriminar quem são estas pessoas (http://www.natap.org/2012/HIV/051112_01.htm). O Annals of Internal Medicine, no dia 22 de julho, publicou dois artigos de integrantes do FDA (http://annals.org/article.aspx?articleid=1221644). Lauren Wood justifica porque votou não e em seu formulário de “conflitos de interesse com a indústria farmacêutica” nada consta (https://www.acponline.org/authors/conflictFormServlet/M12-1788/ICMJE/Wood-86175.pdf). Já Judith Feinberg, que votou “sim”, tem um antigo relacionamento com tal indústria (https://www.acponline.org/authors/conflictFormServlet/M12-1742/ICMJE/Feinberg-2862.pdf). Isso já seria justificativa para ao menos desconfiar da aprovação de um medicamento que não foi devidamente testado para este fim, já que em ambos os estudos havia a recomendação de manter o uso do preservativo. Porém, o Truvada é patenteado pela Gilead que vem a ser a empresa que vendeu os royalities do Tamiflu para a Roche e que teve como CEO Donald Rumsfeld de 1997 a 2001, período em que esteve fora do governo americano ocupado por outras “guerras” (http://www.gilead.com/pr_933190157).

Ou seja, para além da discussão da influência da indústria farmacêutica nas condutas e aprovações, está claro que o número necessário para tratar (NNT) com Truvada é extremamente alto para evitar uma infecção e o numero de pessoas que se infectarão caso não usem preservativo mas apenas com, e talvez por causa do, Truvada é muito mais alto, sendo que nas pesquisas usadas como referência apenas se infectou quem usou Truvada ou placebo mas não preservativo, ou este falhou. Isso sem contar nos efeitos colaterais como diarreia, problemas renais e osteopenia. Trata-se de um desserviço a população. A lição que fica é que declarar conflito de interesse não isenta o pesquisador de tal interesse.

Publicado em Blog do Gustavo Gusso, médico de família, mestre em medicina de família pela Western Ontario University e professor da disciplina de Clinica Geral da Universidade de São Paulo.

segunda-feira, outubro 08, 2012

Por que exatamente as farmacêuticas investem em congressos médicos?

Há alguns anos penso o assunto e o estudo, quando possível. E minha resposta a esta pergunta vem pendendo para uma diferente da original. Não há uma só resposta, mas inicialmente eu acreditava que a principal razão seria exercer influência direta através da programação, oferecendo propaganda enganosa mesmo.

Entretanto, foram poucas as vezes que vi isto acontecer: a maioria dos médicos não aceita - nem os que assistem, nem mesmo os que palestram! Questões que comprometem informação nos congressos costumam nascer muito antes, na produção do conhecimento científico, por problemas que afetam as pesquisas e seus resultados em diversas etapas. Há a seleção do que publicar e do que não é publicado, o hype nas conclusões já a partir das publicações originais e seus editoriais, a pouca confiabilidade dos guidelines, entre outras. De tal forma que a informação transmitida em eventos e que potencialmente favorece “os excessos” (dos diagnósticos aos tratamentos) não costuma ser inventada pelos ocupantes dos púlpitos - não nasce nos seus slides.

Lembro do tempo que dei algumas aulas e promovi workshops sobre EGDT na sepse, inclusive em parceria com a empresa que vende a cara tecnologia usada no bundle de tratamento. Existe a possibilidade do principal ensaio clínico que suporta a abordagem ter sido literalmente forjado. A partir de uma denúncia no WSJ, há vários indícios de que possa ser verdade.


EGDT trial, NEJM, by Rivers et al, 2001

—Pacientes teriam “desaparecido” do estudo após processo de randomização.

—No momento da publicação do ECR em 2001, o hospital era quem detinha parte dos direitos da tecnologia usada no grupo EGDT. Rivers havia recém transferido direitos à instituição.

—O NEJM, no momento do lançamento do trial, não publicou nenhuma referência à qualquer possível conflito de interesse do autor principal - até porque “não mais existiam”.

—Rivers e seu hospital teriam recebido pelo menos $404.000 da Edwards Lifesciences.
 

Eu não estimulava nada que eu não acreditasse fortemente. A plausibilidade é forte (ainda acredito nela, estando para sair novo ECR). O estudo original (2001) traz resultados expressivos, com impacto em mortalidade que poucas coisas na sepse até então (e até hoje) tinham conquistado. Mas, e se o estudo é fake? Teria eu feito papel de pateta? Eu e quantos mais, muitos sem possuir qualquer vínculo com a empresa da tecnologia?

Speakers profissionais: propagandistas sem remorso ou bem-intencionados úteis?
Dei-me conta que talvez o grande objetivo da indústria ao patrocinar congressos (além das áreas de exposição, quando buscam o contato direto com os médicos “comuns”) seja o contato com as lideranças médicas e formadores de opinião, para muito pouco alterar o resultado final. Estariam buscando, muito pacientemente, o simples estreitamento de vínculos, como consequência direta no máximo um freio ao ceticismo e à criticidade.

Em razão de experiência que tive fazendo eventos médicos, pude conhecer bem uma característica nossa: adoramos poder participar como protagonistas deles. E não poupamos (consciente ou inconscientemente) reciprocidade para conquistar ou manter este privilégio. Sempre que detive o poder de escolher colegas para figurar em púlpitos, isto ficou claro. Fiz admiradores, bajuladores e amigos. De ocasião! Em momento especial, dominado por espírito de porco, fiz um teste. Havia colega com enorme potencial relacionado ao assunto que envolvia meus eventos, mas, em um primeiro momento, não foi envolvido nas grandes iniciativas porque simplesmente eu acreditava que ainda não estava pronto. Com tudo para ser um dos nomes a colaborar com o movimento e se destacar, desapareceu. Passado um tempo, o convidei para participação destacada em evento e aconteceu o previsto: reaproximou-se demonstrando forte interesse na causa e diferenciada capacidade de trabalho. Reafirmou importância de nossa amizade e de nos mantermos próximos.

Tudo isto serviu para entender que talvez a principal razão para a aproximação com sociedades médicas não seja bagunçar ainda mais a qualidade da informação no congresso, mas fazer aliados entre médicos, merecidamente ou não, importantes. Contam mais do que os médicos “comuns”. E, a partir disto, há outras várias maneiras menos ostensivas de favorecer Evidence BIASED Medicine, como através de uma atmosfera pouco questionadora. E não questionar o senso comum pode ser bom não apenas para a indústria: as próprias associações médicas se beneficiam de serem donas de verdades inquestionáveis a serem impostas à massa que controlam e certificam.

Um bom exemplo disto diz repeito à Medicina Intensiva e à Surviving Sepsis Campaign. No final do ano passado, o fabricante do Xigris® suspendeu “voluntariamente” sua lucrativa comercialização, devido aos achados negativos do estudo PROWESS-SHOCK. Leia mais. A suspensão da venda do Xigris ocorreu após vários anos de utilização na prática clínica, ao custo no Brasil de, em média, R$ 56.000 por paciente. Lembro de poucos eventos oficiais da Medicina Intensiva que tenham, antes do PROWESS-SHOCK, feito contraponto ao caríssimo Xigris®, pelo contrário. Há alguns anos atrás, consegui inserir o assunto em um tom crítico em Congresso Brasileiro de... Clínica Médica (Gramado, 2005). Enquanto isto, a Medicina Intensiva só falava bem. Resgato aqui palestra de 2007, no HCPA, proferida por quem deu também a anterior e muito parecida: http://www.medicinahospitalar.com.br/Aulas/ContrapontoDotrecogina/Drotrecogina_files/intro.htm. Acho que somente funciona em Internet Explorer. Com a mensagem "Loading, please wait...", aguarde cerca de 45 segundos para carga, e clique no botão "parar" de seu navegador. Finalmente, clique em "Play" para ver a aula. Está mais atual do que nunca...

domingo, setembro 02, 2012

Proposta proíbe que laboratórios concedam incentivos aos médicos

Médicos e sociedades médicas poderão ficar proibidos de receber benefícios da indústria e comércio de produtos para a saúde. É o que propõe projeto de lei apresentado pela senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE).

A intenção da senadora com o projeto de lei do senado (PLS 225/2012) é preservar a autonomia profissional do médico ao prescrever ou indicar medicamentos ou tratamentos. Para isso, a proposta modifica a lei dos Conselhos de Medicina (Lei 3.268/1957) para exigir que o Código de Ética Médica ou Código de Deontologia Médica contenham dispositivos que impeçam os profissionais de receberem quaisquer tipos de pagamentos, incentivos ou benefícios dos setores da indústria e comércio de produtos para a saúde.

Maria do Carmo explicou, ao justificar a proposta, que a iniciativa do projeto deveu-se ao “retrocesso” do posicionamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) quanto à relação entre médicos e indústria de produtos médico-farmacêuticos.

Outro retrocesso, na avaliação da senadora, foi a mudança na resolução que estabelece as regras de publicidade médica para retirar a proibição de venda de selos de aprovação em produtos. Essa é uma prática adotada por algumas sociedades, explicou Maria do Carmo, como a Sociedade Brasileira de Cardiologia, que aprova cerca de 35 produtos, entre eles, margarinas, grelhas elétricas, sanduíches e sucos. A sociedade Brasileira de Pediatria, informa, já decidiu não renovar os selos que aprovam sabonetes bactericidas e calçados.

“A especialista em ética médica considera o acordo do CFM como uma rendição vergonhosa ao poder econômico, apresentando como fato inquestionável e provado que a relação estabelecida entre a indústria e os profissionais compromete a autonomia dos médicos na escolha de medicamentos, órteses, próteses e outros produtos para seus pacientes” - disse a senadora Maria do Carmo.

Não é o que pensa o senador e médico Paulo Davim, do PV do Rio Grande do Norte e que já atuou no Sindicato dos Médicos e na Associação Brasileira de Medicina. Na opinião dele, a conduta do profissional não é influenciada pelo pagamento de despesas para participar de um congresso médico.

(DAVIM) As diretrizes científicas são diretrizes universais. Ninguém vai mudar a forma de promover um diagnóstico ou o tratamento de alguma patologia em função de um eventual patrocínio de algum curso ou congresso que a indústria farmacêutica possa lhe oferecer. Não vai mudar em absolutamente nada a conduta dos profissionais da área e, sobretudo, das instituições médicas.

Fonte: Agência Senado

quarta-feira, agosto 29, 2012

Agradecimento à José Elias Aiex Neto

Os editores gerais deste Blog agradecem publicamente as referências de Aiex ao nosso trabalho em Psiquiatria Sem Alma (em Um início de reação e Notícias alvissareiras – páginas 279-282). Nosso muito obrigado!

Aiex pescou bem nossa posição ao selecionar frase que realmente sintetiza nosso movimento: "Não queremos ser niilistas, demonizar nenhum dos lados, mas mostrar aos colegas que a influência existe".

Destaco ainda posicionamento de Sami El Jundi publicado no livro: "O chamado full disclosure só serve para piorar a situação. Avançamos para uma situação de desconforto pior do que a anterior, pois com a revelação há uma transferência do problema ao receptor da mensagem". Segundo Sami, "a solução precisa ser sistêmica - a transparência significa nada sem independência, e coloca em riscos os seus próprios propósitos".

quinta-feira, agosto 23, 2012

Minhas experiências com propagandistas

Durante muito tempo eu vivenciei uma situação conflitiva em relação a propagandistas de laboratórios. Ao mesmo tempo em que achava uma chatice recebê-los em meu consultório, para que recitassem vantagens dos medicamentos que estavam divulgando, pensava que eles estavam trabalhando para ganhar o sustento de suas famílias, e que mereciam ser respeitados enquanto trabalhadores. Muitas vezes eu recebia as amostras grátis de medicamentos que eles deixavam em meu consultório e as entregava para algum paciente que as usava. Nunca recebi nenhuma vantagem de laboratório para ir a congresso ou jantares pagos pela indústria farmacêutica.

Minha posição em relação aos propagandistas de laboratórios mudou quando a “Lei do genéricos” foi promulgada e seus patrões começaram a pressionar os médicos para que não receitassem os medicamentos pelo nome de seus componentes químicos, como seria o certo para ajudar a referida lei se consolidar. Insistiam com os médicos que mantivessem apenas os nomes comerciais deles e até usassem selos pagos por eles nos receituários, dizendo “não aceito a troca desta medicação por genéricos”. Foi quando resolvi escrever o artigo “A ética dos médicos e a Lei dos genéricos”, reproduzido no capítulo anterior.

Depois que o artigo foi publicado os próprios propagandistas de laboratórios deixaram de procurar meu consultório, o que foi um alívio para mim, que deixei de ter que aturar suas visitas, mesmo porque fazia isso pelo fato deles serem trabalhadores, como já disse antes. Depois de mais de uma década sem ter que me preocupar com tais personagens, em fevereiro de 2010 tive um contratempo com um deles através das páginas do jornal Folha de São Paulo.

Em 14 de fevereiro de 2010 aquele jornal publicou um vigoroso Editorial intitulado “Ética sem desconto”, com o seguinte conteúdo:

“Merece aplauso a resolução do Conselho Federal de Medicina que veda a participação de médicos em promoções de medicamentos por meio de cupons e cartões de desconto. A promiscuidade de interesses entre laboratórios farmacêuticos e profissionais da saúde está em pauta por toda parte. É saudável normatizá-la também no Brasil. Os argumentos do CFM para proibir a prática são certeiros. Em primeiro lugar, o estratagema de solicitar a médicos o preenchimento de formulários com dados acerca de seus pacientes e da prescrição fere o sigilo que protege a relação entre profissional e cliente. Com tal expediente, terceiros - as empresas - ganham acesso a informações clínicas que não deveriam sair do consultório.

Além disso, o médico se torna cúmplice de um processo de "fidelização" que só interessa aos laboratórios. O procedimento pode induzir o uso continuado do remédio sem controle periódico, ou dificultar a troca do medicamento em promoção por outro princípio ativo ou fabricante. Ainda que o profissional não obtenha vantagens pessoais, sempre haverá suspeitas. Se o laboratório tem condições de oferecer descontos significativos para alguns clientes, deveria fazê-lo no mercado propriamente dito. Concorrência direta ainda constitui a forma mais eficiente e transparente de conquistar clientes; transformar médicos em atravessadores é na realidade uma forma de burlá-la”.

Quando li o referido editorial enviei uma carta para o “Painel do Leitor”, um espaço nobre do jornal, dedicado a expor a opinião de seus leitores. Minha carta foi publicada naquele espaço no dia dezesseis de fevereiro de 2010 e teve o seguinte conteúdo:

"No editorial "Ética sem desconto”, o jornal se posicionou a favor de decisão do Conselho Federal de Medicina que proibiu a participação de médicos em promoções de medicamentos por meio de cupons e cartões de descontos. Como médico, vou além, defendendo que se impeça a atividade dos propagandistas de laboratórios farmacêuticos em consultórios médicos. Com o pretexto de "promover atualização científica" para os profissionais, tais figuras buscam é propor negócios, o que não cabe na nossa prática profissional. Com o acesso que todo médico tem à internet nos dias atuais, não se justifica a argumentação acima, pois a nossa atualização científica prescinde da presença dessas pessoas. Há mais de doze anos não recebo propagandistas de laboratórios em meu consultório. E garanto que não fazem nenhuma falta".

No entanto, fui surpreendido no dia seguinte, por uma carta publicada no mesmo “Painel do leitor” da Folha, de autoria de um propagandista de laboratório chamado Francisco Stanguini, residente em São Caetano do Sul. Sua carta foi de uma agressividade incomum, como veremos a seguir:

“Foi com muita tristeza que li a carta do médico José Elias Aiex Neto sobre propagandistas de laboratório (“Painel do Leitor", ontem). Ele afirma não receber propaganda médica há doze anos e garante que não faz nenhuma falta. Certamente ele deve estar bem desatualizado com a prescrição de medicamentos. A função de um propagandista é levar informações técnicas e científicas atualizadas sobre produtos e trabalhos que não são publicados na internet. Além disso, tem a função social de atender pedidos de médicos com amostras grátis para ajudar pacientes mais necessitados. Lembro ao doutor que a função de propagandista médico é regulamentada e existe há quase uma década, com sindicato atuante em todo o Brasil."

Apesar de ter sido agredido por uma pessoa que nem me conhecia e que levantou aleivosias a respeito da minha capacidade de estar atualizado dentro da medicina, penso que valeu a pena a polêmica, pois nos dias subseqüentes a Folha de São Paulo publicou outras cartas de médicos que se posicionaram contra o propagandista em tela. Uma das mais contundentes foi a de José Butori Lopes de Faria, professor titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, que assim se pronunciou, no dia 18 de fevereiro de 2010:

"A carta do senhor Francisco Stanguini possui incorreções que não devem passar despercebidas. A primeira incorreção é dizer que o propagandista de laboratório promove atualização científica. Atualização científica é obtida através de trabalhos científicos publicados em revistas especializadas ou apresentados em congressos. A segunda incorreção é dizer que a "amostra grátis" tem a função social de ajudar pacientes necessitados. A "amostra grátis" nada mais é do que uma forma de propaganda que tem o intuito de vender a medicação. Mais especificamente: fidelizar o médico e o paciente àquela medicação. Àqueles que desejarem maiores informações sobre a forma de atuação da propaganda da indústria farmacêutica recomendo a leitura do excelente livro: "The Truth about the Drug Companies" ("A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos", recentemente traduzido para o português pela editora Record), da doutora Márcia Angell, ex-editora de uma das revistas médicas de maior prestígio: "The New England Journal of Medicine".

De qualquer maneira, o episódio mostrou que, quando os médicos se posicionam contra os interesses da indústria farmacêutica, seus representantes, os propagandistas de medicamentos, não hesitam em atacar os médicos, demonstrando o que representamos para eles: prescritores de seus remédios e garantidores dos lucros de suas empresas. Enquanto fazemos o jogo deles somos maravilhosos. Quando denunciamos o que existe por trás de suas atividades atacam até o nosso conceito profissional de maneira inconseqüente.

O que nos entristece é ver os argumentos que os representantes da indústria farmacêutica usam para desqualificar os médicos, como se nós não fôssemos capazes de nos manter atualizados, e que dependemos deles para isso. Mas o que mais nos entristece ainda, de forma pungente, é ver a categoria profissional de médicos ter ainda em seu seio grande parcela de membros que aceitam tal situação, inclusive sem se darem conta do quanto são desmoralizados. Tal desmoralização e feita por pessoas leigas, que não sabem nada de saúde, pois não fizeram nenhum curso superior na área, mas que trazem apenas o apelo da gorjeta que seus patrões das multinacionais lhes entregam para darem aos médicos.

* Trecho do capítulo “Da interferência dos propagandistas de laboratórios para consolidar a política de seus patrões”, do livro “Psiquiatria sem alma” (Travessa dos Editores), do psiquiatra José Elias Aiex Neto.

terça-feira, agosto 07, 2012

Divulgação de excelente material sobre nosso assunto

Effect of Financial Relationships on the Behaviors of Health Care Professionals
- A Review of the Evidence -

Christopher T. Robertson
University of Arizona - James E. Rogers College of Law; Harvard University - Edmond J. Safra Center for Ethics

Susannah Rose
Cleveland Clinic

Aaron S. Kesselheim
Brigham and Women's Hospital/Harvard Medical School

August 1, 2012

Journal of Law, Medicine, & Ethics, 2012 Forthcoming

This symposium paper explores the empirical evidence regarding the impact financial relationships on the behavior of health care providers, specifically, physicians. We identify and synthesize peer-reviewed data addressing whether financial incentives are causally related to patient outcomes and health care costs. We cover three main areas where financial conflicts of interest arise and may have an observable relationship to health care practices: physicians’ roles as self-referrers, insurance reimbursement schemes that create incentives for certain clinical choices over others, and financial relationships between physicians and the drug and device industries. We found a well-developed scientific literature consisting of dozens of empirical studies, some that allow stronger causal inferences than others, but which altogether show that such financial conflicts of interests can, and sometimes do, impact physicians’ clinical decisions. Further research is warranted to document the causal relationship of such changes on health outcomes and the cost of care, but the current base of evidence is sufficiently robust to motivate policy reform.

http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2121535

segunda-feira, julho 23, 2012

Outros conflitos, além de com indústria de medicamentos


No início desta semana recebi convite para conferência em São Paulo. Convite nominal. Assinado por "Conference Manager, Latin America". O site do instituto é muito bacana. Estava no convite:

"Creio que sua expertise e experiência serão de grande relevância para os participantes do evento!"

"Será uma honra contar com a sua valiosa contribuição"

Isto abaixo achei estranho, pois normalmente como organizadores de evento selecionamos não somente os palestrantes, mas também os temas:

"Encaminho arquivo com sugestões de palestras que pretendemos abordar, sinta-se à vontade para optar por algum tema sugerido, assim como indicar outro assunto que não consta na grade de palestras e que gostaria de apresentar nesta conferência. Caso não possa comparecer ou não seja a pessoa da empresa responsável por este assunto, agradeço indicação do profissional para verificar interesse de palestrar".

Acenei com o interessa em participar. Realmente fiquei feliz com a oportunidade. Me identifiquei com o tema central do evento.

Eis que no segundo e-mail a tal Conference Manager responde deixando claro que não sabia direito quem eu era. "Qual empresa você representa mesmo?", entre outras perguntas que escancaravam que faltavam informações básicas. Respondi que era médico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

"Muito obrigada pelo seu retorno. Mas o senhor trabalha em qual empresa? Peço desculpas, eu preciso saber antes para confirmar. Há algumas questões internas com a área de patrocínio"

"Eu preciso mencionar o nome, cargo e empresa a qual o palestrante pertence. A empresa é Medicina Hospitalar? Qual é a área de atuação?"

"Por favor, agradeço se puder indicar-me outros profissionais para avaliarem interesse de participarem como palestrantes dos seguintes setores:

OPERADORAS DE PLANOS DE SAÚDE
SEGUROS SAÚDE
HOSPITAIS
LABORATÓRIOS

Quarta-feira, é o meu prazo para entregar um esboço deste projeto a coordenação".

Aí lembrei que em 2011 havia recebido material semelhante, e o localizei. A mesma pessoa havia enviado. Na época, fui convidado para palestrar em evento cujo tema central nada tinha a ver com minhas áreas de atuação ou interesse. Recusei o convite. Não dei muita bola.

Não recebi mais retorno deste convite de agora, tendo insistido que minha empresa era o Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Estamos sendo incapazes de evoluir na questão dos conflitos de interesse com a indústria de medicamentos, e crescem outros conflitos corporativos. O que fazer? Está é nossa questão primordial - tratamento, não mais diagnóstico.

segunda-feira, julho 02, 2012

A delicada relação com a indústria farmacêutica

Leia aqui recente entrevista de Caio Rosenthal, conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), sobre Ética médica: a delicada relação com a indústria farmacêutica.

O CFM preparou uma resolução, há mais de um ano, colocando limites bem rígidos para a relação médicos e indústrias. Porque resolveu flexibilizá-las recentemente?

Não acredito que haja uma justificativa “oficial” para a referida flexibilização. Na minha avaliação, o CFM deveria rever suas posições, até porque o que se sabe é que os Conselhos Regionais não foram consultados previamente ao acordo CFM-Indústria. Este acordo veio de cima para baixo. A ética não pode, em nenhuma circunstância, ser flexibilizada. E é impossível negociar com a indústria farmacêutica limites materiais e financeiros. Assim como não existe meia gravidez, também não pode existir “meia ética”. 


[LEIA NA ÍNTEGRA]

domingo, julho 01, 2012

Antidepressivo bom pra cachorro!

Nos últimos anos, a indústria farmacêutica ganhou novos consumidores. Mais de 6,4 milhões de cachorros recebem remédios para tratar problemas de comportamento no Reino Unido, de acordo com o tabloide “The Sun”. Leia mais.

Em Campanha Alerta, eu já havia postado sobre conflitos de interesse em Medicina Veterinária.

quarta-feira, junho 20, 2012

Laboratórios defendem seus métodos

DA EDITORA-ASSISTENTE DE “CIÊNCIA+SAÚDE”

As empresas citadas nos artigos do "British Medical Journal" responderam por meio de nota aos questionamentos publicados.

O laboratório Sanofi afirmou que acredita que os ensaios clínicos devem contar com objetivos científicos claros "para ampliar a base de evidências em prol dos interesses dos pacientes". Segundo o comunicado, esse princípio é aplicado em todas as pesquisas conduzidas pela empresa. A Sanofi diz ainda que os estudos atendem aos quesitos éticos e regulatórios do Brasil. "No país, foram e são realizados estudos de alto grau de evidência científica, visando ao melhor controle do paciente com diabetes."

A farmacêutica Eli Lilly afirmou que "não realiza pesquisas médicas com a intenção de que a condução do estudo aumente as vendas de um medicamento". A empresa disse ainda que continua comprometida com a realização de pesquisas de impacto e relevância, que respondam a questões científicas e clínicas.

A Novo Nordisk disse que seus estudos clínicos estão "100% alinhados" com regras estabelecidas pelas agências regulatórias de cada país.

Artigo denuncia manipulação de pesquisas

Laboratórios usam testes feitos em drogas já disponíveis no mercado para vender produtos, diz revista britânica

Função desse tipo de estudo é avaliar segurança de uso das drogas na população; indústrias se defendem

DÉBORA MISMETTI
EDITORA-ASSISTENTE DE “CIÊNCIA+SAÚDE”

A "tortura" de dados para obter resultados favoráveis em estudos sobre medicamentos novos no mercado é uma prática comum dos laboratórios, segundo denúncia publicada ontem no "British Medical Journal".

De acordo com o autor, um ex-funcionário de um grande laboratório que escreveu sob anonimato, os estudos realizados após a aprovação das drogas têm como objetivo alavancar as vendas dos produtos, e não determinar sua segurança de uso.

O artigo foi publicado junto com análise de estudos pós-venda de alguns remédios contra diabetes tipo 2.

Esse tipo de pesquisa é feito quando a droga está no mercado e, portanto, já passou pelas três primeiras fases de teste, necessárias para que o remédio possa ser vendido.

Depois disso, são feitos estudos de fase 4 ou observacionais, que analisam o desempenho da droga na "vida real", sem as intervenções dos cientistas e os controles das pesquisas laboratoriais.

De acordo com o reumatologista Marcelo Schafranski, autor do livro "Medicina - fragilidades de um modelo ainda imperfeito" (Ed. Schoba), a análise pós-venda é importante para avaliar o peso dos efeitos colaterais e o custo-benefício das novas drogas.

Mas faltam regras para controlar a metodologia desses trabalhos, muitas vezes patrocinados e elaborados pelas próprias fabricantes dos remédios. "Os resultados publicados são escolhidos após a coleta dos dados. São selecionados desfechos favoráveis para o fabricante do remédio, em vez de resultados como número de mortes ou internações em UTI. Do jeito que está, esse tipo de estudo não tem credibilidade."

Segundo a análise feita por Edwin Gale, professor na Universidade de Bristol, sobre estudos de análogos da insulina conduzidos pelos laboratórios Novo Nordisk, Eli Lilly e Sanofi, falta rigor científico nos trabalhos.

Um dos estudos, com mais de 66 mil pessoas, acompanhou os voluntários por 18 meses (quando o ideal para esse tipo de pesquisa são cinco anos) e exigia como comprovação de efeito colateral (hipoglicemia) um exame laboratorial. Com isso, foram registrados pouquíssimos desses eventos, dando aparência de vantagem da nova droga sobre a antiga.

De acordo com o texto publicado pelo ex-funcionário da indústria, além de mexer nas estatísticas, os laboratórios permitem que o departamento de marketing acompanhe todas as etapas dos estudos. O grande número de pacientes participantes serve, segundo ele, para disseminar a prescrição do novo remédio entre os médicos.

"Levávamos [médicos] para os melhores hotéis e restaurantes durante as reuniões. Depois, atuavam como 'embaixadores', dando conferências, ensinando médicos e falando com a mídia sobre os benefícios da droga."

segunda-feira, junho 18, 2012

Ligeiramente desonestos

Acaba de ser lançado nos EUA o instigante livro "A Honesta Verdade Sobre a Desonestidade", em que o economista comportamental Dan Ariely escarafuncha nossas pequenas trapaças do dia a dia. Ele chega a conclusões profundas, que deveriam nos fazer repensar boa parte do sistema de Justiça.

No paradigma clássico, que Ariely batiza de Smorc, acrônimo inglês para Modelo Simples de Crime Racional, três fatores influem na decisão de cometer ou não um delito: benefício esperado, probabilidade de ser apanhado e pena cabível. É nesse tripé que se assenta o direito penal.

A dificuldade é que esse modelo não funciona. O pesquisador e seus colaboradores desenvolveram uma série de experimentos nos quais estudantes que resolvessem rapidamente problemas matemáticos seriam remunerados pelo número de acertos. Manipularam as situações para descobrir quais variáveis levavam as cobaias a burlar mais. Descobriram que quase todo mundo tapeia e que aumentar o valor da recompensa não muda quase nada.

Para os pesquisadores, nossa desonestidade é o resultado de uma contínua negociação entre dois elementos. De um lado, gostamos de obter vantagens (para nós, nossos próximos e, surpreendentemente, também para desconhecidos). De outro, precisamos manter para nós mesmos a imagem de que somos razoavelmente honestos, como convém a toda pessoa digna. O cérebro resolve essa contradição de uma maneira quase infantil: roubamos só um pouquinho. Na média, as pessoas se sentem confortáveis trapaceando em algo entre 10% e 15%.

Desde que não extrapolemos nos cambalachos, nossa incrível capacidade de racionalizar faz com que nos beneficiemos do logro e ainda consigamos nos ver no espelho como seres humanos maravilhosos.

Para os detalhes das descobertas, os limites desse tipo de pesquisa e suas implicações, vale conferir a obra.

Fonte: Folha de S.Paulo - 17/06/2012

segunda-feira, junho 04, 2012

Conversa de propagandistas

Tenho eventualmente tomado café da manhã em local frequentado por profissionais da indústria farmacêutica. Hoje, mais uma vez, presenciei nomes de colegas sendo expostos. Foi mais ou menos assim: "Fulana, de Porto Alegre, pediu viagem para o congresso", disse um. "Fulano, de Ijuí, pediu também", comentou outro. "Hum, se nunca demos para Fulano, a Fulana é mais influente". No fim, não consegui pescar quem ganhou...

Recentemente, à noite, em restaurante na Av. Protásio Alves, uma conversa parecida onde os profissionais debatiam maior ou menor aceitação de expectorantes por pneumologistas e pediatras (comparando, e expondo nomes completos). Em meio ao bate papo, contavam histórias envolvendo um ou outro. "Fulano é jogo duro... Para Beltrano tu ofereces a mão e ele quer o braço".

sexta-feira, junho 01, 2012

Understanding Emerging Trends in Industry-Academic Relationships

Foi muito boa a atividade ontem, e parece ter ficado a disposição para quem não sabia ou não conseguiu ver. A partir de May 31st NPA Unbranded Doctor National Grand Rounds at Univ.of CT, do mesmo link para o evento em tempo real (REGISTER to VIEW this live event online via webcast), ainda é possível assistir, não sei até quando. Discussão contextualizando com nossa realidade seria mais do que bem-vinda.

terça-feira, maio 29, 2012

Agenda da Anvisa mostra lobby de parlamentares em favor de indústrias

Somente em 2011, 140 audiências foram pedidas por deputados e senadores com o diretor-presidente Dirceu Barbano
Empresas farmacêuticas, laboratórios químicos e a indústria de alimentos usam políticos para tentar pressionar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na defesa de seus interesses. Um levantamento da própria agência reguladora constatou que, em 2011, deputados, senadores e governadores solicitaram 140 audiências com o diretor-presidente Dirceu Barbano ou com a cúpula da entidade. A maioria pedia uma intervenção para defender a liberação da produção ou comercialização de um produto.
O lobby veio à tona com o escândalo relacionado ao senador Demóstenes Torres (sem partido). Em 21 de setembro de 2011, ele agendou uma reunião com Barbano e informou que o tema a ser tratado seria próstata. Na noite anterior, mudou a agenda e informou que falaria sobre o laboratório Vitapan. Mais tarde foi revelado que essa empresa pertencia ao bicheiro Carlos Cachoeira.
A Anvisa possui um procedimento rígido para receber empresas que tenham processos em andamento e afirma que apresentará todos os dados sobre o caso da Vitapan. Os representantes são recebidos por técnicos em salas onde as conversas são gravadas. Uma minuta do encontro é produzida e todos assinam.
A direção, porém, tem um procedimento mais flexível com políticos, ainda que uma minuta também seja feita. A direção admite que não costuma recusar o pedido de audiência de um parlamentar, em respeito ao Legislativo.
Demóstenes, por exemplo, não seria o único parlamentar naquele dia a visitar Barbano. Às 8h30, o diretor-presidente teria uma reunião com o deputado federal e vice-líder do governo na Câmara, Odair Cunha (PT-MG), para falar de ``registro de medicamentos``. O encontro, segundo a agenda, teria a participação ainda de um ``sr. Fernando``.
Na agenda de Barbano para 10 de agosto aparece uma reunião com o senador Paulo Davin (PV-RN). ``Pauta: Registro Olanzapina.nuplan``, diz a agenda. No dia 6 de setembro, outro caso. ``Reunião com deputado Gabriel Guimarães (PT-MG) - Pauta: Processos da Empresa JHS Laboratório Químico e Empresa Sex Fred Indústria e Comércio de Artefatos de Borracha``, afirma a agenda.
Dois dias depois, outro encontro com um deputado acompanhado por uma empresa: ``Reunião com deputado Mauro Rubens (PT-GO) e Eribaldo Egidio, da Associação dos Laboratórios Nacionais e do Laboratório Equiplex``. A última informação que consta nos arquivos da agência é a de que dois dos medicamentos tratados no encontro tiveram o pedido de registro arquivado e um deles, indeferido.
Já o senador Benedito de Lira (PP-AL) foi até a Anvisa falar do Lifal, laboratório farmacêutico de Alagoas. O também senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pediu ainda reunião e foi acompanhado por Christine Jerez Telles Battistini, da Intemational Myeloma Foundation. Na pauta: ``autorização do uso da Lenalidomida no Brasil para tratamento do Mieloma``.
A agenda ainda mostra reuniões nas quais uma verdadeira delegação de parlamentares visitou a Anvisa. Em 25 de maio de 2011, por exemplo, deputados federais do PCdoB-BA, PCdoB-MG, PDT-GO, PMDB-PB, PT-BA, PV-RJ, PR-RJ, PSB-ES e PV-SP estiveram na agência para tratar do banimento dos medicamentos inibidores de apetite.
A romaria continuou em 2012. No dia 25 de abril, os deputados Geraldo Thadeu (PSD-MG), Manoel Salviano (PSB-CE), Diego Andrade (PSD-MG) e Eleuses Paiva (PSD-SP) foram até agência para uma reunião com Barbano sobre ``processos de interesse da empresa Farmace Indústria Químico-Farmacêutica Cearence Ltda``, como consta na agenda da Anvisa.
Inferno. Em entrevista ao Estado, Barbano admite a realização das reuniões e afirma que a pressão é grande. ``Se você não recebe os caras (os parlamentares), sua vida vira um inferno``, diz. Segundo ele, se a reunião não é marcada, os parlamentares se queixam de falta de respeito com o Congresso.
Segundo Barbano, ``mais da metade`` das 140 audiências em 2011 foi para atender o interesse de alguma indústria. ``A maioria é de empresas do Estado dele (do parlamentar), da cidade dele. Qual é a relação dele com a empresa, não é problema meu. É um problema ético dele``, diz.
Fonte: JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE / GENEBRA - O Estado de S.Paulo

Auto-conhecimento

Um exercício muito bacana para compreensão do significado e do impacto de conflitos de interesse é refletir sobre como reagimos a situações do dia-a-dia e tentar perceber os efeitos de influências externas em nossas próprias tomadas cotidianas de decisões.

Recentemente fui convidado para palestrar e moderar atividade sobre Times de Resposta Rápida em hospital que pretende implantar um. Se entendo que podem ser importantes quando muito bem aplicados e contextualizados, também é verdade que considero existir uma série de outras intervenções mais custo-efetivas para serem aproveitadas por organizações interessadas em segurança do paciente. Mais do que isto: percebo que não raramente instituições usam dos TRR’s de tal forma que acredito poderem aumentar erros na assistência à saúde, por incremento da fragmentação do cuidado, entre outras razões.

Pois bem...

Aceitei participar. E nitidamente modulei meu pensamento. As razões para isto foram muitas, e nem sempre as enxerguei. Na largada, justifiquei para mim mesmo a participação por ser uma atividade, vista numa perspectiva mais ampla, de segurança do paciente, tema sobre o qual tenho realmente me debruçado nos últimos tempos. Avaliando o modelo proposto, nos moldes de algumas oficinas de quality improvement que vivenciei no exterior, pensei: "é muito mais uma atividade por brainstorming para gerar um quality improvement project do que qualquer outra coisa. Fantástico!". Paralelamente, era evidente em mim a satisfação por estar prestes a fazer algo que gosto muito - estar neste tipo de situação, dar aulas, debater temas que considero apaixonantes ou controversos. O quê terá pesado mais???

Chegando lá, percebi que, provavelmente para não frustrar a expectativa de quem organizou o workshop, modulei meu discurso, incentivei TRR's sem trazer a tona todas as críticas que entendo sejam necessárias nesta discussão. Um julho, darei palestra no Safety2012 sobre o mesmo tema, onde "livre" para abordá-lo (escolhemos, em comum acordo, não somente o tema, mas o enfoque), farei diferente. Embora não tenha havido, em nenhum momento, nenhuma interferência direta do organizador desta outra atividade sobre como eu deveria pautar o assunto, sinto, sem nenhum problema em reconhecer, que me deixei pautar. Reforcei com a experiência vivida que sentimentos que envolvem desejos, conscientes ou não, de reciprocidade são sim capazes de modificar o resultado final de nossas "apresentações" cotidianas. Na maioria das vezes sem grandes consequências ou sem estarmos fazendo nada errado. Mas acontece. E eventualmente...

Aproveito para recomendar leitura: Why We Lie - WSJ

Médicos, drogas e Cachoeira

Por Renato Ferraz - Correio Braziliense
 
É inevitável: você chega a um consultório médico e, sem exceção de dia ou período, encontra aqueles representantes de laboratórios farmacêuticos, também chamados de promotores de medicamentos. Eles são inconfundíveis pela vestimenta, pela maleta clássica, pelo carinho artificial dedicado às secretárias. O que fazem, afinal, quando invadem nossos horários e se trancam com os doutores e doutoras? Demonstram que determinada substância cura de tristeza a frieira? Dão amostra grátis? Não, desta vez não sei a resposta, caros leitores. Uso essa figura para tentar entender, e peço a ajuda de vocês para tanto, por que essa relação médico-paciente-laboratório-Estado é tão confusa, quase sempre prejudicial ao paciente.
 
Eu uso, por exemplo, um remédio relativamente simples, que funciona como um suplemento para ajudar na digestão. Volta e meia, ele e seu genérico ou similar somem das farmácias, das distribuidoras. Simultaneamente, quase sempre. Quando um volta à tona, vem com embalagem diferente e, estranhamente, com preço majorado. Recentemente, tive que usar outra droga dessas (um novo produto e, portanto, sem a concorrência genérica, por causa da patente). Reclamo do preço e o balconista, gentil, me diz: Liga no laboratório que ele te dá desconto. É, deu certo: fiz um cadastro e, ao comprar uma caixa, consegui sem esforço um abatimento de 70%. Depois, pensei: qual empresa reduz tanto o preço sem ter prejuízo; qual é a razão oculta dessa caridade? É só para fidelizar o senhor, diz o rapaz da drogaria. Fidelizar no consumo de drogas? Ah, meus Deus! Isso é legal?
 
Aí, descubro que ainda há médico prescrevendo determinada marca, com o nome de fantasia e não simplesmente o princípio ativo do medicamento, como manda a regra. Depois, lembro-me que é comum laboratórios financiarem viagens de médicos. Ou de associações de classe. Mas isso é justo, legal, imoral, engorda? Em seguida, vou ler a bula e não consigo: o corpo da letra exige a necessidade de uma lupa e o linguajar é estupidamente técnico. Penso na Anvisa, na ANS, no Estado em si que deveriam nos proteger. Fico com raiva, tento esquecer o assunto, pego um exemplar do Correio para ler (ou reler) e vejo que até Carlinhos Cachoeira é dono de laboratório.
 
Bem, desisto do remédio e vou tomar um uísque: se pensar mais nesse troço acabarei tendo que ingerir um antidepressivo.
 
Fonte: Correio Braziliense

segunda-feira, maio 28, 2012

Pharma Invasion


Corrupção acadêmica

Muitas pessoas que viram meu documentário "Trabalho Interno" (2010) acharam que a parte mais perturbadora é a revelação sobre amplos conflitos de interesses em universidades e institutos de estudos e entre pesquisadores acadêmicos. Espectadores que assistiram às minhas entrevistas com eminentes professores universitários ficaram estarrecidos com o que saiu da boca deles.

Mas não deveríamos ter ficado surpresos. Nas duas últimas décadas, médicos já comprovaram de modo substancial a influência que o dinheiro pode exercer num campo supostamente objetivo e científico.

...

Hoje em dia, se você vir um célebre professor de economia depondo no Congresso ou escrevendo um artigo, são boas as chances de ele ou ela ter sido pago por alguém com grande interesse no que está em debate. Na maior parte das vezes esses professores não revelam esses conflitos de interesse. Além disso, na maior parte do tempo suas universidades se fazem de desentendidas.

quinta-feira, maio 24, 2012

Somos humanos, demasiado humanos

Somos vulneráveis a erros, somos vulneráveis a conflitos de interesse.

Agindo de forma consciente ou não. Agindo com boas intenções (e a maioria esmagadora das pessoas age desta forma) ou não.

Ter esta noção é requisito básico para adentrar na complexa discussão sobre conflitos de interesse.

Fica aqui postado vídeo curto e instigante do psicológo Dan Ariely para auto-reflexão.




"None are more hopelessly enslaved than those who falsely believe they are free."
                                                                                  (Johann Wolfgang von Goethe)

terça-feira, maio 22, 2012

Para reflexão e discussão... sobre presentes, viagens e fantasias

Na mídia, em Portugual:
http://www.rcmpharma.com/actualidade/saude/15-05-12/corrupcao-medicos-ilibados-por-viagem-na-malasia-meio-de-congresso

terça-feira, maio 15, 2012

Peso da indústria pode estimular mais cirurgias de coluna


Por CLÁUDIA COLLUCCI

Cirurgias de coluna, especialmente as de hérnia de disco, estão na mira do governo dos EUA. Os custos com esse procedimento passaram de US$ 345 milhões em 1997 para US$ 2,24 bilhões em 2008.

Como pano de fundo, há os conflitos de interesses entre cirurgiões e a indústria de próteses (pinos, placas e outros materiais), que já estão sendo investigados pelo Congresso.

A suspeita é que os médicos estariam indicando cirurgias desnecessárias em troca de comissões.

Um relatório divulgado em 2011 pelo "Wall Street Journal" mostrou que cinco cirurgiões do Norton Hospital, no Kentucky, receberam, cada um, US$ 1,3 milhão da Medtronic, líder em dispositivos para cirurgia na coluna.

A empresa afirmou que o dinheiro se refere a royalties, porque os médicos ajudaram no desenvolvimento dos dispositivos. O curioso é que esses médicos estão entre os que mais indicam as cirurgias no sistema público de saúde americano, o Medicare.

Só os parafusos usados para perfurar a coluna custam US$ 2.000 cada um. Mas, segundo o Medicare, o custo de fabricação não passa de US$ 100.

"Você pode facilmente colocar US$ 30 mil em materiais durante uma cirurgia de hérnia de disco", diz Charles Rose, cirurgião de coluna da Universidade da Califórnia que criou o grupo "Associação de Ética Médica" para combater os conflitos de interesse.

"Muitas cirurgias estão sendo feitas em situações em que não há evidência de que vão funcionar", afirmou à Folha Rosemary Gibson, autora do livro "The Treatment Trap".

TAMBÉM NO BRASIL

No Brasil, a situação é parecida, segundo o cardiologista Bráulio Luna Filho, conselheiro do Cremesp (Conselho Regional de Medicina). "O problema é que ninguém denuncia. Mas o que anda acontecendo é criminoso."

Segundo ele, o Cremesp discute criar uma resolução estadual que discipline os conflitos de interesses na área de medicamentos e de dispositivos.

"Sabemos dos exageros, mas fazemos de conta que não sabemos", diz Guilherme Barcellos, pesquisador especializado em conflitos de interesse.

Em 2010, o CFM (Conselho Federal de Medicina) publicou uma resolução que proíbe comissões para a prescrição de materiais implantáveis, órteses e próteses. A resolução também impede que o médico exija a marca do material a ser usado.

sexta-feira, maio 11, 2012

Texto dos editores publicado na Revista Ser Médico, do Cremesp

Tivemos a satisfação de poder ver nossa discussão crescer através de revista cuja tiragem é de 120.000 exemplares. Versão resumida deste texto foi publicada na edição de abril – maio – junho.

Médicos e indústria farmacêutica: uma relação complexa e delicada

Leia

O assunto vem sendo discutido cada vez mais no mundo inteiro. São incontáveis os exemplos de problemas decorrentes destas relações e da forma como têm sido expostos, com evidente desgaste à imagem da corporação médica e impacto negativo para os pacientes e a sociedade de um modo geral. Por outro lado, é inquestionável a importância social e econômica da indústria farmacêutica e a inevitável existência de pontos de convergência entre ela e a medicina, tanto históricos quanto estratégicos. Nosso foco não será apontar exemplos de relacionamentos perversos entre médicos e indústria, mas estimular a reflexão sobre como podemos avançar nesta discussão a partir de 5 diferentes perspectivas.



1. Descriminalização do debate

Para lugar nenhum iremos quando se busca somente e obsessivamente os “médicos corruptos”. Os Conselhos de um modo geral têm cada vez mais sinalizado que estão alertas e dispostos a punir, enquanto a mídia expõe sucessivos casos de graves violações de conduta. Isto tudo apenas aumenta a cortina de fumaça sobre o tema.

Outra cultura é necessária, onde conheçamos e reconheçamos efetivamente como se dão as relações entre médicos e a indústria farmacêutica, seja enquanto pessoas físicas ou através de suas entidades ou empresas. A evidência empírica demonstra que são absolutamente raros os casos onde, ao se encontrarem, médicos e representante da indústria olham um para o outro e dizem: “é eu e você, e dane-se o paciente”. No varejo, estes contatos costumam ocorrer entre profissionais dedicados, e principalmente com médicos bem intencionados acreditando estar fazendo boas coisas, ou, pelo menos, não prejudicando terceiros da maneira perversa como costumam apresentar.

Quem já vivenciou as entidades médicas, fazendo congressos, muito possivelmente também já se deparou com a dúvida: "estão pedindo isto, é?!" (se referindo a patrocinadores). "Não será por uma palestra que comprometeremos o todo, não é?". Quem não ficaria em dúvida? A cadeia de causalidade que vai do patrocínio à prescrição é longa, complexa, difícil de delinear e compreender e, se jogada no terreno da moralidade, geradora de barreiras cognitivas que tornam os profissionais impermeáveis ao debate.

Se os Conselhos precisam estar de prontidão para agir em face de condutas que mereçam punição, eles próprios devem propiciar e estimular fóruns de discussão e avaliação de caráter não punitivo. Espaços capazes de AJUDAR os médicos a compreender e administrar eticamente estas relações. A mediar conflitos de interesse que, per se, não podem ser caracterizados como antiéticos ou imorais, sob pena de criminalização do cotidiano das relações humanas.

2. Foco no problema

Outro desafio é procurar separar estas questões de outras que, muito comumente, vêm em seu bojo: pautas ideológicas ou políticas, por exemplo. Tem sido freqüente a instrumentalização desse debate por ativismos de todo tipo (anti-capitalismo, anti-Medicina, anti-medicações, anti-psiquiatria, e suas contrapartes), produzindo um cenário falsamente moralizado, artificialmente polarizado e, conseqüentemente confuso, que inviabiliza a construção de um espaço de “ética possível”, como se houvesse uma condição ideal a priori da qual não se pode abrir mão. A ética das relações humanas é uma construção histórica e social, portanto é possível sua existência em qualquer tempo, lugar ou sistema econômico.

Personalidades como Marcia Angell, mundialmente conhecida por importantes contribuições a esse debate, há muito perderam o rumo e passaram do ponto. Com sua opção militante estão mais atrapalhando do que ajudando.

3. Menos críticas e mais hipóteses, em busca por soluções.

Qual o valor e a eficácia das declarações de conflitos? Quais as interfaces eticamente admissíveis? Quais os limites de cada interface e da relação delas com o todo? Como garantir Diretrizes de maior qualidade e credibilidade? E na educação médica (básica ou continuada) e nos congressos, simpósios satélites, e áreas de exposição, o que pode e o que não pode? Como verdadeiramente garantir que essas orientações sejam efetivas? Precisamos de novos modelos de financiamento para os eventos? Fundo único para os eventos anuais das sociedades oficiais e que emitem pontuação para a recertificação do título de especialista? Como pontua aquele profissional que já não aceita viagens e desejaria atualização profissional mais independente da indústria? O principal conflito de interesse a ser trabalhado entre os médicos é realmente o financeiro, ou o que envolve facilidades para reconhecimento e status?

4. Mais ciência e menos “achismo”: testar, avaliar, rediscutir, modificar.

Possuímos experiência com evento grande, em resort de luxo, com mais de uma dezena de palestrantes internacionais, que foi destaque no jornal “Folha de São Paulo” enquanto evento livre de indústria farmacêutica. Percebemos que, na prática, não receber dinheiro diretamente da indústria, sem regular os conflitos dos educadores convidados, tem pouco alcance, com imenso aumento das dificuldades em viabilizar financeiramente a iniciativa. Portanto, a solução não é tão simples.

Em outro projeto bastante conhecido aqui no Rio Grande do Sul, agora de educação médica à distância, anunciávamos sua independência da indústria, mas o fato é que também fomos incapazes de garantir a inexistência de vínculos por parte dos educadores envolvidos e alguns viéses. O problema é complexo. É obvio apenas o fato que precisamos conhecer experiências, avaliar resultados e buscar alternativas, multiplicando as mais efetivas e discutindo as dificuldades, sem a cortina de fumaça hoje existente.

5. Mudança de cultura em todos os níveis

A regulação tem que começar por quem tem mais poder e transbordar para o dia-a-dia do médico mais comum. Quase todas as iniciativas até hoje pensadas em nosso meio insinuaram regular apenas o profissional da “ponta”, deixando de fora quem toma decisões maiores e, conseqüentemente, as associações médicas.

Sugere-se com essas medidas que, entre outras coisas, quem ocupa cargos de lideranças teria automaticamente maior capacidade de gerenciar conflitos de interesse, o que não é necessariamente verdade, pelo contrário. Supervaloriza-se o efeito da canetinha recebida pessoalmente do laboratório, em detrimento dos grandes financiamentos “institucionais”.

Em suma, precisamos dar a esse debate a dimensão que ele merece e aportar a ele aquilo que a medicina tem de melhor: sua ciência e sua ética. Esse é o desafio.

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