domingo, outubro 26, 2014

Meu afastamento da discussão

O resultado das eleições fizeram-me selar a decisão. Porque fez vitoriosa uma visão de mundo distante da que sempre defendi neste espaço. Acato a vontade coletiva! Apesar de ter escancarado porque está tão difícil aprimorar "na ponta" profissionalismo e valores morais. Coloca em xeque, ainda, soluções em que acreditava, como a necessidade de maior controle externo da atividade médica. Dar a quem? Oferecer a este Governo, ineficiente e corrupto ao extremo, alguma prerrogativa neste sentido??? Estive insano ao pensar em qualquer coisa próxima disto - peço até mesmo desculpas aos colegas. Ainda mais que os próprios conflitos de interesse com a indústria farmacêutica e de tecnologias existem no Governo e suas agências também, tão ou mais fortes.

Foram 10 anos de árduo trabalho em prol de conscientização. Cerquei-me de um pequeno exército - composto, infelizmente, de conscientizados por antecipação, quando não buscando instrumentalizar o debate com anti-capitalismo, anti-Medicina, e pautas do tipo, contribuindo não para avanços, mas para um cenário falsamente moralizado, transparecendo sempre a existência de uma condição ideal a priori da qual não se pode abrir mão. Inviabilizando a construção de um espaço de “ética possível”, coisa que tentei construir.

Restou claro para mim que não justificam-se esforços setoriais para discutir conflitos de interesse (que digam respeito ao meu tempo e energia, ao menos). Os fatos reservam aos médicos, na sua maioria pessoas bem-intencionadas, o direito de gerenciar por conta e risco os relacionamentos que queiram ter. Não raramente saem-se bem. Há algum tempo considerava esta decisão e aproveito a oportunidade para despedir-me da iniciativa, sendo possível a outros colaboradores do Blog dar seguimento, havendo interesse.

Deixo a sugestão do Blog próprio de Luis Cláudio Correia, que muito frequentemente trata dos mesmos assuntos.

Quem sabe um dia retomo interesse e, principalmente, uma sensação de que vale a pena.

Aos pacientes eventuais prejudicados, que recorram ao Judiciário ou ao sistema de notificação da ANVISA, se capazes de enxergar o dano em meio à tanta fumaça e tão longa cadeia de eventos entre o que não se faz bem na assistência à saúde e desfechos negativos evitáveis decorrentes de relacionamentos conflituosos.

domingo, outubro 19, 2014

Evento troca farmacêuticas por parceria com curso de gastronomia em almoço dos palestrantes

Foi assim que Gibran Avelino Frandoloso viabilizou o tradicional almoço entre organizadores, palestrantes e convidados no I Encontro Paranaense de Médicos Hospitalistas.

Efetivou parceria com o Curso de Tecnologia em Gastronomia da Universidade PUCPR e ofereceu excelente encontro gastronômico e de networking aos participantes.


Mas não foi só isto: mostrou mais uma vez que é possível!

O evento não estabeleceu nenhum tipo de parceria ou convênio com indústrias farmacêuticas ou de tecnologias. E foi capaz de reunir palestrantes de quatro estados (Paraná, Rio Grande do Sul, Belo Horizonte e Rio de Janeiro).

terça-feira, setembro 09, 2014

Médicos medíocres e eleitores imbecis

Como a maioria dos médicos, vejo a indústria farmacêutica como nossa aliada no tratamento e prevenção dos principais problemas de saúde. Sem a indústria e suas pesquisas estaríamos vivendo menos tempo e com menor qualidade de vida. Acho que a indústria sofre algumas críticas injustas, na maioria das vezes, fruto da ignorância ou de uma visão enviesada ideologicamente.

Quase todos os médicos recebem representantes dos laboratórios. São pessoas muito gentis, pacientes – às vezes, nos esperam por horas -, elegantes, inteligentes e parecem poder conversar sobre qualquer coisa. Também são bem treinados e aí começam os problemas.

Explicarei. Mas antes uma breve história. Há poucos meses encontrei um representante que me conheceu quando eu era guri, está octagenário e, segundo familiares, com problemas de memória. Porém, ao avistar-me, sabedor que eu era médico, ele recitou uma fala de 3 minutos contínuos, no qual falou das vantagens de um hepatoprotetor, que na verdade funciona como placebo, sem evidência de eficácia. O discurso estava intacto, apesar da idade, nasceu na década 70.

O treinamento dos representantes segue parecido. Ele é feito para atender médicos medíocres. O que, de alguma forma, traduz a visão que o marketing da indústria tem dos médicos. O material promocional é de qualidade ímpar: o melhor papel, fotos excelentes, gráficos claríssimos. Porém, o conteúdo é enviesado. Dados pinçados em estudos duvidosos, comparações de resultados entre estudos de diferente design, extrapolações espúrias. Quando a medicação tem menos eficácia acentua-se a diminuição de efeitos colaterais e omite-se a eficácia. Além dos comentários sobre os principais problemas das intervenções concorrentes. Na maioria das vezes, os representantes não sabem com profundidade sobre o que estão falando, repetem o treinamento. Não têm consciência que são cumplices de tortura de dados.

Há poucos dias, um representante falou-me da vantagem de uma apresentação de 20mg em relação a de 30mg. A vantagem era que a de 30 custava 50% mais. Outro, da vantagem de uma apresentação com 50% mais comprimidos e que apresentação da concorrência era apenas 30% mais barata. Quando comento que o preço unitário do comprimido era o mesmo, ele olhou-me com um ar de estranheza. Além disso, a indústria está nos propondo que sejamos garotos propaganda das farmácias conveniadas e dos programas de fidelidade. Além de medíocres, talvez sejamos baratos, do ponto de vista do RH da indústria.

Com frequência somos convidados para uma janta, na qual escutamos um palestrante falar sobre alguma medicação. Na maioria das vezes, ele faz uma apresentação acrítica, que já vem pronta do laboratório, que não raro, apresenta os mesmos vieses do material dos representantes. Mostrando claramente que o laboratório confia tanto na mediocridade do speaker, como na dos ouvintes. Sim, após a palestra, a confraternização entre os colegas e os representantes é ótima.

Somos nós médicos de fato medíocres e os laboratórios adaptaram-se a isso? Ou seriam eles que nos vêm a sua imagem e imperfeição? Talvez tudo faça parte de um grande misancene, no qual nada disso deve ser levado em conta; tudo não passaria de pretexto para deixar algumas amostras e confraternizarmos nas jantas. Talvez?!

Contudo, este modelo pode, justa ou injustamente, dar asas para a imaginação, inspirando filmes como: Terapia de risco e O jardineiro fiel. Além de incentivar as teorias de conspiração dos que acreditam em gnomos, são contra vacinas e acham que qualquer “química” é prejudicial. Neste caso, todos perderiam.

O marketing de todos os candidatos para eleições do executivo é igual a da maioria dos laboratórios. Ela é feita com o pressuposto que os eleitores são um misto de medíocres, imbecis e analfabetos. As comparações são indevidas, os números não batem, as extrapolações são espúrias, os convites às inferências são emocionais. A satanização dos oponentes é antidemocrática. Os autoelogios, bem, estes são apenas ridículos.

Alguns candidatos repetem o que lhe é dito, eles não entendem do que falam, não têm uma mente capaz para tal compreensão. Outros até teriam, mas não os interessa, acreditam, ou intuem, que é este discurso que funcionará para convencer os eleitores e é isto que importa. Eles ficam entre os desonestos intelectuais e os messias sem intelecto. Também temos os ideológicos que tiveram a sua capacidade de pensar corroída pelo vírus da própria ideologia. Entre outros menos cotados.

Acho que nós médicos não somos completamente medíocres, tampouco os eleitores imbecis de carteirinha. Mas só deixaremos de ser tratados como tais pelos laboratórios e/ou pelos políticos, quando ficar comprovado que eles não terão vantagens em nos tratarem desta forma. Parece que ainda não atingimos este estágio. Evidentemente, nem os médicos podem abrir mão da relação com os laboratórios, nem a população com políticos.

PS. Já tive oportunidade de conversar sobre isso com quase todos os representantes que me visitam. E o preço que cobro para ir às jantas ou palestrar é ser um chato problematizador.

Texto tirado do Blog do autor, Hemerson Ari Mendes, médico psiquiatra e psicanalista

Meu café com propagandistas

Hoje sai do meu plantão e fui tomar uma café da manhã em casa de pães e doces uruguaios, de Porto Alegre. É ponto de encontro tradicional de profissionais da indústria farmacêutica e, como de costume, lá estavam alguns.

Sentaram na mesa ao lado dois homens e, enquanto eu saboreava deliciosa media luna, acabei escutando a conversa. Discutiram, entre outras coisas, o caso de um médico que não havia aceitado uma apresentação feita pela empresa:

- "Insistiu em fazer a dele, queres dar uma olhada?" (mostrando no tablet)
- "Não, manda para o Dr. Y, se ele der o ok está bem"

Eis que, neste momento, estacionou uma linda mulher. Paramos os três para olhar. Foi impossível evitar. Quatro, na verdade. Havia sentado com a esposa em outra mesa um senhor, que nos acompanhou, e, quando virou novamente para sua companheira, foi recebido com um sorriso no rosto e um elogio dela à beleza da jovem. Então a linda mulher parou na mesa dos dois homens da indústria, os cumprimentou, e passou ao fundo da casa para compor uma mesa de mulheres da indústria farmacêutica.

- "Eu queria ser médico para estar na carteira dela", disse um deles.

- "Eu queria não pensar da forma que penso" (silenciosamente, eu próprio).

domingo, setembro 07, 2014

Indústria de alimentos e educação de médicos e nutricionistas

Muito interessante o posicionamento dos estudantes da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo ao denunciarem presença de representantes de indústrias de alimentos nas salas de aula.




É de 2011, mas estou publicando ao mesmo tempo que encaminho e-mail para o Centro Acadêmico Emílio Ribas. Seria muito interessante uma atualização de como o movimento evoluiu.

Nestas últimas semanas, o tema 'indústria de alimentos e educação de médicos e nutricionistas' apareceu também em outros posts em nosso grupo no Facebook. Parece bastante atual…

sábado, agosto 16, 2014

A indústria da testosterona

por Cristiane Segatto, Época

É cada vez mais difícil sair de um consultório sem a prescrição de um, dois ou três remédios. Você não tem sintoma algum ou apenas queixas difusas como cansaço, estresse, noites mal dormidas – mais ou menos como 100% das pessoas que trabalham. Procura o médico só para saber se está tudo bem e fazer aquele checkup básico. Isso não é cuidar da saúde?

Seria se os princípios da medicina não tivessem sido tão desvirtuados nas últimas décadas. Em vez de zelar pela saúde, ela tem se ocupado de vender doença. É uma praga mundial. Nos Estados Unidos, os críticos das relações inadequadas entre a indústria farmacêutica e boa parte dos médicos chamam essa prática de disease-mongering. É o velho truque de criar problema para vender solução.

Tudo começa com o pedido exagerado de exames (overtesting, em inglês). É uma batelada tão grande e desnecessária que algum parâmetro minimamente fora do padrão o médico vai encontrar. Quem procura acha, não é mesmo? Isso já aconteceu comigo mais de uma vez. Tive a sensação de quem leva um carro em bom estado para uma revisão preventiva e volta para casa arrasado, achando que é dono de uma lata velha.

O que fiz? Desconfiei do desfile de representantes da indústria farmacêutica na sala de espera, pesquisei a coerência da indicação dos remédios e, para não fazer besteira, consultei meu médico de confiança. Ele me tranquilizou e me fez ver que nenhuma daquelas alterações era relevante. Voltei para casa sem doença imaginária e sem um rombo na carteira.

A prescrição de remédios para corrigir desvios do padrão que não necessariamente provocam ou vão provocar doença é conhecida, em inglês, como overtreatment. É o terceiro flagelo que afeta os pacientes de classe média alta – aqueles que têm acesso à medicina, mas não exatamente à saúde.

Um bom exemplo disso é a indústria da testosterona, tema da provocativa reportagem de capa da Revista TIME da semana passada. O mercado do hormônio masculino movimenta US$ 2 bilhões nos EUA. As prescrições cresceram de 2,9 milhões em 2007 para 7,5 milhões em 2013.

No Brasil, a tendência é a mesma. Segundo a Anvisa, as vendas de produtos que contêm testosterona (em cápsula ou injetável) aumentaram 55% entre 2004 e 2012. Isso sem contar o gel de testosterona produzido por farmácias de manipulação. Essa é uma indústria construída sobre a insegurança provocada pela consciência da passagem do tempo.

Desde que o mundo é mundo, homens e mulheres fazem loucuras para conservar a beleza e a energia da juventude. Na Roma Antiga, impotência sexual se combatia com alho-poró e água de aspargos cozidos. Coentro fresco misturado com alho e vinho era considerado o melhor dos afrodisíacos. Na Idade Média, o frade e filósofo alemão Albertus Magnus fez fama com uma receita que prometia devolver aos homens desesperados a rigidez dos bons tempos. O segredo era assar o pênis de um lobo, cortá-lo em pedaços pequenos e mastigar devagarinho.

Na sociedade pós-Viagra, garantir as ereções já não basta. Os homens querem uma solução mágica capaz de promover uma revigorada geral. Um combo de vitalidade, disposição, bom humor, músculos, barriga chapada... O elixir da juventude é um desejo ancestral que a indústria se preparou para atender. No século XXI, ele se chama reposição de testosterona.

Essa terapia só é aprovada pelas agências que controlam medicamentos (FDA, nos Estados Unidos e Anvisa, no Brasil) para o tratamento de homens que não conseguem produzir testosterona naturalmente e, por isso, sofrem de doenças como depressão, perda de massa óssea, perda de libido, disfunção erétil, alterações cardiovasculares. Nesses casos, a reposição hormonal é muito importante.

A grande maioria da população masculina não precisa disso. A andropausa, queda na produção de testosterona depois dos 50 anos, é considerada uma doença que afeta de 5 a 10% dos homens. Enquanto a menopausa é uma alteração fisiológica, um fenômeno natural pelo qual todas as mulheres passam, a andropausa é patológica. É doença, de fato. Como tal, precisa ser tratada.

Os outros 90% dos homens chegarão à velhice produzindo testosterona, com a libido preservada e sem nenhum sintoma de andropausa. Mesmo que tenham dificuldades de ereção (Viagra e assemelhados estão aí para isso), desejarão a mulher do vizinho até o último suspiro.

Se apenas um pequeno grupo de pacientes precisa fazer reposição hormonal, o que explica o boom da testosterona que o Brasil e outros países vivem? Ele é explicado por outra prática corriqueira da indústria farmacêutica: a de promover medicamentos para usos ou públicos para os quais eles não são aprovados.

Olhe à sua volta e veja quantos quarentões trabalham demais, dormem pouco, são sedentários e reclamam da vida sexual. Se eles forem submetidos a uma dosagem de testosterona no sangue provavelmente descobrirão que os níveis do hormônio estão no limite do que é considerado normal ou, talvez, um pouco abaixo dele. É provável que saiam do consultório com uma prescrição de testosterona, mesmo sem ter sintoma de doença.

Isso é tratamento desnecessário. “Quando o homem tem uma pequena alteração nos níveis de testosterona no sangue e nenhum sintoma não se deve prescrever a reposição hormonal”, diz o urologista Daher Chade, do Hospital Sírio-Libanês e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. “A conduta recomendada é apenas aguardar para ver se surge algum sintoma”.

O problema da maioria dos quarentões mal cuidados não é incapacidade de produzir testosterona – e sim estilo de vida errado. Recentemente, uma publicação da Universidade Harvard dedicada à saúde masculina lançou a questão: “Você já pensou em outras razões que possam estar provocando fadiga, queda da libido e outros problemas?”. E concluiu: “Você tem uma alimentação nutritiva? Faz atividade física regularmente? Dorme bem? Cuide disso tudo antes de procurar a reposição hormonal”.

Quanto mais sexo uma pessoa faz, mais testosterona ela produz naturalmente. Conserte a vida, vá para casa mais cedo, faça mais sexo e dê uma chance para a natureza. O mesmo vale para as mulheres. Nos últimos anos, virou moda entre os ginecologistas brasileiros prescrever gel de testosterona também para elas.

O esquema é o mesmo: pedem a dosagem do hormônio, verificam que ele está no limite e já indicam a farmácia de manipulação de “confiança”. Mesmo que a paciente não tenha queixa alguma, prometem um “up” na libido, músculos torneados, barriga chapada, energia e disposição. E, quase sempre, arrematam com o argumento que, para algumas mulheres, pode ser arrebatador. Para outras, é assustador. “Viu como a paciente que saiu daqui agora está bem?”. E aí você se lembra de ter visto uma mulher de 60 anos, espremida numa minissaia e, aparentemente, com uma enorme dificuldade de aceitar que a juventude passou.

Cada um vive como bem entende, mas é desejável que toda escolha seja baseada em informação e consciência dos riscos. O uso de testosterona por mulheres não é aprovado pelas autoridades sanitárias. A exceção é o uso hospitalar, quando a paciente sobre de graves alterações metabólicas. “Não faz sentido prescrever testosterona para mulheres”, diz o médico Chade. “Se a mulher produz pouca testosterona e opta pela reposição, a produção natural do hormônio vai diminuir ainda mais se ela interromper o uso do produto”, afirma.

Mulheres que usam gel de testosterona costumam relatar que se sentem mais dispostas, bonitas, com menos gordura corporal e mais energia sexual. Ajudam a propagar a reposição e a movimentar uma indústria bilionária.

Os riscos não são desprezíveis. Eles envolvem virilização. As mulheres podem ter acne, aparecimento de pelos no rosto, engrossamento da voz, crescimento do clitóris, queda de cabelo, retenção hídrica (que provoca inchaço) e alterações de comportamento, como aumento da agressividade. Se a dose for muito elevada, aumenta o risco de trombose, hepatite, aparecimento de cistos e tumores no fígado, entre outros problemas. Vale a pena?

No início do ano, a FDA anunciou o início de uma revisão dos dados de segurança da reposição de testosterona em homens. A decisão foi motivada por vários estudos segundo os quais certos homens correm risco mais elevado de ter infarto e derrame se fizerem reposição hormonal. E também por dezenas de processos judiciais de consumidores que alegam ter sofrido danos por causa da testosterona.

Alguns meses depois, a agência exigiu que os fabricantes alertassem os pacientes sobre o aumento do risco de possíveis coágulos nas veias. Em setembro, uma comissão de especialistas convocada pela agência discutirá as evidências disponíveis sobre benefícios e riscos da reposição. Muita discussão vem por aí. Enquanto isso, prefiro a sábia provocação lançada por muitos dos médicos que são mais que meros prescritores de medicamentos. “Você tem saúde para tanto remédio?”.

quinta-feira, julho 31, 2014

Exposição de estudantes e residentes ao marketing afeta a prescrição

Estudantes e residentes que passam mais tempo com os representantes têm menos probabilidade de fazerem escolhas de prescrição baseadas em evidências, de acordo com resultados de um estudo publicado Online First no JAMA Internal Medicine.

Os autores dizem que seus dados mostram que o marketing é ligado à escolha de prescrições, que estudantes e residentes são mais suscetíveis a favorecer marcas conhecidas.

Kirsten E. Austad, médica da Division of Pharmacoepidemiology and Pharmacoeconomics, Department of Medicine, Brigham and Women’s Hospital e Harvard Medical School, e colegas pesquisaram uma amostra nacionalmente representativa de estudantes de medicina do primeiro e quarto ano, e residentes no terceiro ano, aleatoriamente selecionando pelo menos 14 indivíduos em cada nível de cada escola.

Eles deram aos avaliados uma lista de perguntas onde questionavam sobre a frequência de interações com a indústria farmacêutica nos últimos 6 meses (incluindo a aceitação de presentes), suas expectativas quanto a essas interações em suas carreiras futuras e as suas atitudes em relação à essas interações.

A partir dessas respostas, os pesquisadores fizeram um índice do relacionamento de participantes com a industria farmacêutica.

Entre os estudantes do quarto ano e residentes, os autores emitiram uma série de perguntas de múltipla escolha, perguntando sobre a terapia inicial mais apropriada para cenários clínicos envolvendo pacientes com diabetes, hiperlipidemia, hipertensão e dificuldade de sono.

O estudo descobriu que um índice de 10 pontos ou maior de relações com a indústria foi associado com 15% menos chances de prescrição baseada em evidências. Houve também uma ligação significante entre os índices de relações com a indústria e maiores chances de prescrição de medicamentos de marcas conhecidas.

ONDE OS TRAINEES CONSEGUEM INFORMAÇÕES?

O uso de representantes farmacêuticos como fonte de informação de medicamentos aumentou progressivamente. Segundo o estudo essa fonte é duas vezes mais usada por residentes (20%), do que por estudantes do primeiro ano (7,9%). O uso reportado de patrocínios de empresas farmacêuticas para eventos educacionais quase triplicou dos primeiros anos. Somente 74,7% dos residentes disseram que usam artigos em revistas e jornais consagrados para aprender sobre drogas.

Em uma nota do editor, Joseph S. Ross, médico, notou que durante os anos de treinamento ‘’as identidades profissionais são formadas, e os ‘hábitos’ da prática clínica começam’’.

Ele disse que não existem razões educacionais para esse tipo de interação com representantes da indústria, e recomenda que escolas médicas e hospitais de treinamento limitem a exposição aos trainees.

‘’Está se tornando mais claro que restringir essas interações durantes a escola de medicina e o treinamento de pós graduação leva a uma prescrição entre médicos de maior qualidade e mais baseada em evidências, o que é bom para a profissão, para o cuidado com o paciente e para a confiança do público na medicina’’, disse ele.

sábado, julho 19, 2014

Novas diretrizes para o diagnóstico do câncer de próstata enfrentam resistência dos médicos.

As recomendações recentes da USPSTF sobre PSA na triagem para câncer de próstata em homens saudáveis encontra resistência dos médicos, segundo pesquisa da Johns Hopkins. Um grande número afirmou que enfrentava barreiras para parar o exame de PSA em homens que o faziam regularmente.

A razão ouvida com mais frequência por 74,4% dos médicos foi “meus pacientes esperam que eu continue pedindo testes anuais de PSA”, seguida por 66% que disseram “leva mais tempo para explicar por que não estou mais indicando o teste do que apenas continuar testando o PSA”. E mais da metade acredita que “não pedir o exame pode ser confundido com má prática”.

Read more: http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/novas-diretrizes-para-diagnostico-do-cancer-de-prostata-enfrentam-resistencia-dos-medicos-5021028#ixzz37wXTWJPk

segunda-feira, julho 14, 2014

Saúde e esporte: ética, responsabilidade e práticas coerentes de publicidade

TÍTULO: A “Gasosa” Copa do Mundo de 2014 (The World fizzy drinks Cup 2014)

REFERÊNCIA: The Lancet, Volume 383, Issue 9934, Page 2020, 14 June 2014

IDIOMA: Inglês

SÍNTESE

Editorial do The Lancet denuncia que, para desespero de especialistas em saúde pública, tornou-se comum ver empresas produtores de fast-food, de bebidas gasosas açucaradas e mesmo de cerveja como patrocinadoras de grandes eventos desportivos. A Copa do Mundo da FIFA de 2014, ora em curso no Brasil, não é uma exceção. Os parceiros e patrocinadores da FIFA incluem ninguém menos do que a Coca-Cola, a rede McDonald e a gigante empresa de cervejas Budweiser.

A visibilidade e presença física dessas empresas e seus produtos tem certamente enorme impacto para os espectadores dos eventos centrais e paralelos da Copa do Mundo, não só no Brasil como em todo o mundo. Como revelou matéria especial do mesmo The Lancet em 2013, a América Latina vinha tomando medidas substanciais para tentar introduzir leis alimentares saudáveis ​​para combater a obesidade infantil. Esforços de variados países, incluindo o Brasil, visando melhorar as opções de alimentação escolar, mediante regulamentos de rotulagem e restrições à publicidade de alimentos não saudáveis, se tornaram constantes. Entretanto, os alimentos e bebidas parceiros e patrocinadores da Copa do Mundo de 2014 representariam um ataque direto a essas tentativas para melhorar a saúde da criança.

No entanto, não são apenas os eventos desportivos afetados dessa maneira. Incrivelmente, a Coca Cola foi um dos patrocinadores do Congresso Internacional de Atividade Física e Saúde Pública, realizado recentemente no Rio de Janeiro. E o patrocínio não era apenas financeiro, alerta The Lancet, mas se estendia à farta distribuição de brindes em reuniões paralelas.

The Lancet considera tais práticas como simplesmente “vergonhosas”, pois as conferências médicas e os eventos esportivos devem cuidar de elevar seus padrões éticos e evitar tais ligações financeiras. As federações desportivas internacionais devem e podem fazer muito melhor, mesmo reconhecendo que a FIFA tem iniciativas interessantes de responsabilidade social e questões ambientais. No entanto, nenhum de seus projetos está diretamente relacionado para a saúde. Assim, apoiar a atividade física e os esforços de alimentação saudável deve ser uma ligação natural para uma federação desportiva.

“Chutar para fora” os patrocínios insalubres seria um excelente começo, arremata o presente editorial do The Lancet.

quarta-feira, julho 09, 2014

Indústria farmacêuticas e associações médicas

 artigo na íntegra

Em outros textos deste Blog também sugerimos deixar de lado um pouco os médicos comuns e focar mais nos grandes financiamentos "institucionais”.

quinta-feira, julho 03, 2014

Dr. Oz - uma caricatura de nós mesmos


Nunca vi de perto nada parecido. Mas como negar que algumas vezes nos tornamos pequenos exemplos disto. Atrevo-me a dizer que 4 entre 5 dos médicos (chego a esta estatística pensando nos que convivo, e, desviando da sempre convidativa hipocrisia, incluo-me no "grupo dos 4") adoram, em menor ou maior grau, conseqüências disto, especificamente destacar-se publicamente, virar referência, mostrar o que está fazendo e, se possível, ter aprovação, ganhar seguidores, dar palestras, e outras coisas do mesmo gênero. Nenhuma delas intrinsicamente erradas. Mas, o fato é que tornamo-nos vulneráveis….

segunda-feira, junho 23, 2014

Mais sobre a importância de conflitos de interesse não financeiros

Recentemente, fui contatado novamente através de abordagem descrita em Outros conflitos, além de com indústria de medicamentos, bem como pude entender um pouco melhor a estratégia. Em síntese, montam grade de evento através de palestrantes que aceitam pagar para falar, através de suas empresas. Uma forma interessante de montar eventos a um custo baixo.

De uma forma semelhante, fiz isto no passado. Encontrei maneiras de viabilizar palestrantes internacionais. Completava o evento com participações nacionais, mas, para que fosse viável, questionava (a maioria parceiros) se poderiam ajudar buscando o financiamento para suas participações nas próprias instituições ou empresas. A maioria conseguia. Alguns reclamavam. Em me sentia incomodado, mas dava certo.

Demorei bastante tempo, e, tivesse aprendido antes, teria tomado outras decisões na minha vida, para entender que, mesmo os que reclamavam, estavam adorando. Reclamar consistia numa tendência absolutamente natural de "valorizar o passe". Era, sempre, uma relação de ganha-ganha.

Mas voltando ao novo contato da empresa de eventos:

"Por favor, agradeço se puder indicar-me outros palestrantes".

Resolvi fazer um experimento. E acabei montando boa parte da grade de evento real que, então, organizei sem ser de comissão organizadora. O experimento consistiu de indicar e, tendo havido aceite, sondar os termos em que fecharam. A maioria aceitou pagar para palestrar, muitos do próprio bolso.

Implicações ou reflexões:

1. Alguém duvida da condição de fazer do profissional um palestrante e receber dele parceria e cumplicidade? Como a indústria de medicamentos ou tecnologias usa disto?

2. Convidar e envolver sem remunerar pode ser até mais efetivo, pelo profissional entrar menos atento a potenciais conflitos, já que percebe-se ainda mais independente do que normalmente nos percebemos?

quarta-feira, junho 11, 2014

Um modelo de grade corrompida tolerável?

Recentemente fui em evento de gestão hospitalar onde ficou nítida uma estratégia: parte do financiamento do evento ocorria por venda evidente de espaço na grade para organizações hospitalares. Ainda assim, considerei isto melhor do que compra de espaço por indústrias de medicamentos e tecnologias em eventos científicos.

O problema da mistura de informação relevante e puro marketing aqui é que as palestras ficam mais chatas, quanto menos têm para falar os convidados – situação onde apresentam além da conta, mas sempre genericamente, a empresa ou hospital que representam.

Muito menos nocivo do que informação científica enviesada... Ou não?

domingo, maio 25, 2014

Congresso Brasileiro de Médicos Hospitalistas - 6 de Agosto - Rio de Janeiro

Entrego minha mais recente contribuição, na busca por eventos médicos mais independentes.

Ocorrerá em agosto o Safety2014, cujo responsável é Alfredo Guarischi.

Alfredo permitiu que um grupo de hospitalistas colaborasse em parte da programação científica.

Usamos de contatos internacionais para facilitar vinda de palestrantes de ponta, entre outras estratégias, que culminaram com a entrega da grade do dia 6, batizada de Congresso Brasileiro de Médicos Hospitalistas, oportunidade em que comemoraremos ainda 10 anos do movimento hospitalista no Brasil. Já promovi eventos diretamente ligado à indústria farmacêutica. Nesta ocasião estarei comemorando também uma década de diversas iniciativas onde abri mão disto. E não me arrependo.

Com absoluta separação entre a construção da programação específica e a organização/comercialização do evento, valorizo, e muito, a oportunidade que foi dada. A partir de agora, torço para que Alfredo feche os patrocínios que tanto precisa, quais sejam.

Muito particularmente, tenho definida participação anual em pelo menos dois eventos presenciais: um nacional e outro internacional. Parto disposto a pagar por eles. E procuro alternativas de educação à distância como complementação.

Alfredo deu-me a inscrição no Safety. Para viabilizar a programação do dia 6 entrei com 500 reais do próprio bolso. Considerei um valor justo para o que espero do evento. Assim como pagarei minhas despesas para ir e ficar no Rio de Janeiro. Tenho forte convicção de que os médicos podem, devem e precisam bancar suas participações nos eventos anuais. Este será meu principal evento de 2014 no Brasil - para o qual vou 100% como espectador e cheio de expectativa e entusiasmo. 

Em PASHA2010, um antigo parceiro da Campanha Alerta tentou burlar o sistema de inscrição para pagar como estudante. Se nem aqueles que em tese compreendem a importância global do que se discuti aqui aceitam pagar duzentos reais por um evento com mais de uma dúzia de palestrantes internacionais (era este o valor da inscrição no PASHA2010), imagine a grande maioria dos colegas. Cultura a ser modificada! Ou não!? O que pensam? Ou não queremos nem pensar e que fique tudo como está?

terça-feira, maio 20, 2014

Alguém questiona que os conflitos de interesse não financeiros podem ser tão ou mais poderosos?

Lembrei disto lendo O advogado do diabo, em Zero Hora de hoje, texto do médico Gilberto Schwartsmann. Resposta ao jornalista Paulo Santana, que mudou seu discurso para direção diametralmente oposta após aparente "intensivo de elogios e afagos".

Segundo o psiquiatra Flávio Gikovate, a vaidade pode ser de tal ordem danosa, que nos leva a um distanciamento dos fatos da vida real, sobretudo aqueles que não combinam com nossas expectativas. A vaidade faz-nos lutar contra a realidade, substituindo-a por versões mais desejáveis, até chegarmos à crença de que nossas ideias são a própria realidade. Tira-nos o bom senso. Torna-nos pessoas arrogantes e inconvenientes, com uma necessidade de vencer sempre. O que importa ao vaidoso é como ele próprio acha que o mundo e as pessoas deveriam ser. Seduzido por falsos elogios, o vaidoso esquece com rapidez espantosa suas mais sólidas convicções. Em Reflexões ou Sentenças e Máximas Morais, Rochefoucauld diz que “a bajulação é uma moeda falsa que só circula por causa da vaidade humana”. Nietzsche, na obra Para Além do Bem e do Mal, fala que “a nossa vaidade gostaria que o que fazemos melhor fosse considerado como aquilo que mais nos custa. Para, assim, explicar a origem de certas morais”. Achei suspeito o convite da presidente a um grupo seleto de jornalistas, dos mais renomados do país, para ir visitá-la no Palácio, com pompa e circunstância, às vésperas dos jogos da Copa do Mundo. Por que fazê-lo, agora, quando há riscos de que sua popularidade despenque e que o povo brasileiro expresse sua indignação aos olhos do mundo? Lembrei a última cena do filme O Advogado do Diabo, em que o jovem e ambicioso advogado Kevin Lomax, personagem de Keanu Reeves, cai, novamente, na armadilha do capeta, interpretado por Al Pacino. Os políticos são profundos conhecedores da alma humana. Para obter o que interessa, como o gaúcho em seu cavalo, eles sabem qual o “lado de montar” de nós, mortais. E que há sempre aliados de última hora, movidos pela força quase irresistível da vaidade.

quinta-feira, maio 08, 2014

Fazer eventos médicos sem a indústria farmacêutica é a única alternativa?

Esta pergunta me é feita por muitos colegas. Já escrevi previamente acerca de lições que eventos "independentes", por mim organizados, trouxeram-me. Leia um exemplo aqui. Não receber dinheiro da indústria não impede a presença na grade de potenciais "representantes", bem como pude aprender sobre a importância de outros conflitos que também merecem atenção.

De dentro do movimento "anti-indústria" (rótulo que não bem caracteriza minha posição pessoal, mas que acaba sintetizando o pensamento predominante), há também quem me pergunte. Entretanto, não costumam dar tempo para que eu responda. Dão eles mesmo a resposta, gritando que nunca será perfeito em parceria com eles.

Ocorre que não acredito é em mundo perfeito!

Frente a mais dúvidas do que certezas, além do que já escrevi para o CREMESP tempos atrás, em parceria com Sami El Jundi, tenho uma forte convicção:

Se eventos médicos sem a indústria farmacêutica (e de tecnologias) podem não ser a única opção, e sinceramente acho que não são, a maneira de viabilizar diferente, de forma a ser o sistema minimamente confiável, é através de muita transparência. Com as organizações médicas promotoras surpreendendo, e muito. A maneira como muitas funcionam hoje, representando até mesmo mini-ditaduras, sem eleições, sem assembléias (ao menos além de existirem em atas e documentos), sem real alternância de poder, torna, lamentavelmente, o radicalismo a única possibilidade. Aumentando chances de efeitos indesejáveis da boa intenção. Desconheço radicalismo ótimo ou justo.

terça-feira, abril 15, 2014

Transgressão é evolução, tradição é estagnação

Foi com esta frase que Luis Cláudio Correia concluiu sua apresentação no I Congresso Internacional sobre Segurança do Paciente ISMP Brasil - Ouro Preto.


Mais sobre o tema, leia Luis no Blog Medicina Baseada em Evidências. Muito do conteúdo apresentado no evento encontra-se na postagem "Papai Noel precisa de check-up antes do Natal?".

Tamiflu: bilhões pelo ralo?

“O Tamiflu um remédio ruim. Tem eficácia pequena, e o beneficio aos pacientes discreto.”

A frase acima do infectologista Esper Kalls, professor da Faculdade de Medicina da USP. Foi publicada em uma entrevista que fiz com ele em 2012, quando houve um aumento de casos da gripe A e uma corrida em busca do medicamento Tamiflu.

Quase dois anos depois, o mundo foi surpreendido na semana passada com o resultado de uma reviso de estudos da Cochrane (rede de cientistas independentes que investigam a efetividade de medicamentos) apontando que o Tamiflu no mais eficiente do que o analgésico paracetamol.




domingo, abril 06, 2014

Provocação

Uma provocação como tentativa de estimular debate: Se existem médicos mal-intencionados, a maioria não é. Muitos percebem-se em maus lençóis, envolvidos em conflitos interesse, por entrarem sem a atenção devida em terreno movediço. Igualmente, muitos profissionais da indústria farmacêutica representam também pessoas boas, tentando fazer coisas boas, e, não infrequentemente, tomam caminhos errados, como qualquer pessoa. Mesmo quando a indústria avança um pouco demais, acho que na maioria das vezes ainda o fazem respeitando limites do bom negócio, e o questionável vem de uma interação complexa conosco, médicos, mais recentemente enfermeiros e outros profissionais da saúde. E, neste cenário, fosse possível apontar um culpado, quem de fato costuma pecar são os profissionais da saúde. Se muito disto ocorre inconscientemente (ao menos no início), tornando difícil, e eventualmente injusto, atribuir dolo, é óbvio também que fizemos quase qualquer coisa por promoção e destaque. Pude ver isto quando fiz congressos médicos. Colegas só não plantaram bananeira para palestrar nos eventos porque não considerei pedir. Fazem todo tipo de esforço pata atingir esta meta, isto resta evidente. Os conflitos de interesse não financeiros na Saúde são, muito provavelmente, tão ou mais importantes...

terça-feira, março 18, 2014

“Laboratórios farmacêuticos continuam livres para interferir em artigos científicos de forma sutil”

Médicos são vulneráveis a estratégias de marketing da indústria farmacêutica.

Por atuarem em área pouco afeita ao universo das vendas, têm dificuldades em notar quando artigos publicados em prestigiosas revistas científicas incluem mensagens subliminares, cuja intenção vai de respaldar a eficácia de drogas ainda nem lançadas, a criar (ou exagerar) “estados de doenças”. A elaboração de tais textos é de ghost-writers – nesse caso, escritores-fantasma a serviço dos laboratórios, responsáveis por produzir textos a serem assinados por colegas de meios acadêmicos.

Opiniões surpreendentes como estas partem de quem entende do assunto: a médica e pesquisadora Adriane Fugh-Berman, diretora do PharmedOut – projeto de pesquisa e educação do Georgetown University Center, que carrega, entre suas missões, a de “expor o efeito do marketing farmacêutico sobre práticas de prescrição”, e autora de vários artigos científicos no tema. “Médicos são bastante inteligentes, mas inexperientes quanto a técnicas de vendas e manipulação psicológica”, opinou, em entrevista exclusiva à Ser Médico.

Porém, nem todos: existem os que se aprimoram em influenciar na prescrição alheia, durante eventos como Educação Médica Continuada, lançando mão de técnicas bem desenvolvidas e capazes de não incluir sequer o nome da droga a ser promovida. Como assim? “A indústria não contrata médicos para vender remédios e sim para vender doenças”, explicou Fugh-Berman, também professora dos departamentos de Farmacologia e Fisiologia e de Medicina da Família, em Georgetown.

Confira a íntegra da entrevista!

Por Concília Ortona,  Jornalista do Centro de Bioética do Cremesp, especialista em Bioética e mestre em Saúde Pública (USP)

terça-feira, março 11, 2014

Roda Viva, sociedades médicas e conflitos de interesse

Para mim, foram muito marcantes no recente Programa Roda Viva que entrevistou o presidente da Associação Médica Brasileira os dois momentos onde refletiu sobre conflitos de interesse.

Falando dos médicos (bloco 3 principalmente), parece bastar controle das sociedades médicas (entidades que representa e que naturalmente quer fortalecer), declaração de conflitos de interesse e bom-senso. Imediatamente após, questionou a Agência Nacional de Saúde Suplementar da seguinte forma: "Há independência nas nossas agências reguladoras? Como são escolhidos seus diretores? Que vínculos eles têm?". Veja abaixo:



Pessoalmente acho que não há independência nas agências reguladoras do governo, mas enxergar a possibilidade disto e da influência só nos outros é muito simplório.

Representa o paradoxo atual do brasileiro: Cada um de nós, individualmente ou em grupos organizados, tem a crença de estar muito acima de tudo que aí está. Ninguém aceita, ninguém aguenta mais, nenhum de nós pactua com o mar de lama. O problema é que, ao mesmo tempo, o resultado de todos nós juntos é precisamente tudo o que aí está, estamos muito aquém da somatória das nossas auto-imagens individuais ou corporativas.

Outro aspecto interessante: quando fala dos médicos comuns, a maioria de nós (vide o trecho aqui), até reconhece eventuais limitações e falhas, que podemos "sair do trilho", propondo como solução que sigamos as orientações das "instituições maiores", suas diretrizes, seus guidelines, suas recomendações. Há controversas! São justamente os grandes formadores de opinião que possuem os mais importantes conflitos de interesse!!! Sugere Florentino que quem ocupa cargos de liderança teria automaticamente maior capacidade de gerenciar conflitos de interesse. Será verdade? Em artigo para o CREMESP, cobramos que a regulação tem que começar por quem tem mais poder e transbordar para o dia-a-dia do médico mais comum. Questionamos o fato de que quase todas as iniciativas até hoje pensadas em nosso meio insinuaram regular apenas o profissional da ponta, deixando de fora quem toma as grandes decisões e, conseqüentemente, as associações médicas. Isto, no meu entendimento, é uma grande injustiça com os colegas que, do ponto de vista prático, tocam a medicina brasileira. Podendo representar, ainda, uma grande armadilha!!!  

segunda-feira, fevereiro 24, 2014

Editores convidados para colaborar em livro com o tema “Conflitos entre a prática médica e o interesse das indústrias farmacêuticas”.


E com muita satisfação aceitamos o desafio proposto pelo Grupo de Pesquisa em Bioética, Direito e Medicina, composto por professores e alunos da pós-graduação da Universidade de São Paulo. O GBDM/USP dedica-se a estudos em Bioética e tem por objetivo a elaboração de conhecimento multidisciplinar que atenda e valorize a produção nacional.

Se a indústria atinge este nível de investimento na ponta, o que não fazem para ter os médicos com eles, já que o peso de nossa caneta é muito maior?

Hoje, enquanto tomava um café em uma padaria/confeitaria na zona norte de Porto Alegre, vi chegar uma pessoa em carro identificado como da Vonpar, empresa líder no mercado de refrigerantes. Em seu portfólio, além da marca mais famosa do planeta, a Coca-Cola, os chocolates da Neugebauer e a vaquinha da Mu-Mu, com sua qualidade em leites e doces de leite. Sentou em mesa próxima, com o gerente do estabelecimento. Conversaram sobre um curso para os atendentes onde seria "desmistificada a questão do sódio e dos açucares”. Alguém dúvida, a partir disto, da importância de discutirmos os bastidores do relacionamento entre médicos e representantes de indústrias? Nem que seja intra corporis...

sexta-feira, fevereiro 14, 2014

Levantamento da USP mostra relação entre médicos e indústria

Pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) com 300 médicos que assistem pacientes com o vírus HIV no Estado de São Paulo revela que 64% desses profissionais de saúde tiveram alguma relação com empresas farmacêuticas. O estudo, do professor Mário Scheffer, analisou a interação entre médicos e empresas produtoras de medicamentos antirretrovirais (ARVs) no contexto de uma política pública universal de tratamento do HIV e da Aids. O pesquisador defende maior divulgação das diretrizes clínicas do Ministério da Saúde para orientar os médicos de forma mais adequada na escolha dos medicamentos.

O trabalho é descrito em artigo publicado na revista "São Paulo Medical Journal", editada pela Associação Paulista de Medicina. Foram realizadas entrevistas estruturadas, por meio telefônico, em amostra probabilística de 300 médicos de uma população de 2.361 profissionais que assistem pacientes com HIV e Aids no Estado de São Paulo.

"Aproximadamente 218.000 pessoas estavam em tratamento com ARVs na rede pública de saúde no Brasil no final de 2013 e, em média, são identificados 38.000 novos casos de infecção pelo HIV por ano, o que gera aumento progressivo do número de pessoas que passarão a receber ARVs", afirma o professor do Departamento de Medicina Preventiva.

"Em 2013 foi lançada nova política que prevê a antecipação do tratamento. Calcula-se que pelo menos mais 100.000 pacientes iniciem tratamento", completa.

De acordo com Scheffer, o programa público brasileiro de tratamento da Aids deve considerar o potencial de influência das empresas farmacêuticas na prescrição dos médicos. "Isto é ainda mais necessário em um momento de ampliação do uso de antirretrovirais, com a política de antecipação do tratamento para todos as pessoas diagnosticadas HIV-positivas e diante do potencial uso dos medicamentos na prevenção (profilaxia pré e pós exposição)", ressalta.

O grande consumo de ARVs no Brasil , inserido em uma política pública de acesso universal, faz com as empresas farmacêuticas acionem as mais variadas estratégias de promoção, atividades informativas e de persuasão com o objetivo de induzir à prescrição, dispensação, aquisição pelo poder público e utilização de seus medicamentos. "Neste sentido, o médico prescritor de ARV, que conta com o auxílio de diretrizes clínicas produzidas pelo programa governamental, mas também goza de autonomia profissional no momento da prescrição, passa a ser alvo prioritário do marketing promocional das empresas", afirma o professor da FMUSP.

No Brasil, os medicamentos ARVs não são comercializados no mercado, integram um programa público de distribuição gratuita no SUS e estão inseridos em diretrizes clínicas atualizadas periodicamente e aceitas pela comunidade médica.

"Por outro lado, os ARVs dependem de prescrição médica, vários desses medicamentos concorrem na mesma indicação terapêutica e constantemente são lançados novos produtos de marca patenteados, fazendo com que as empresas produtoras lancem mão de todos os recursos disponíveis para a conquista do mercado", diz Scheffer.

O professor ressalta que no Brasil é incipiente o debate sobre os valores éticos que permeiam a relação entre os médicos e as empresas que fabricam e comercializam medicamentos.

"Também são tímidas as iniciativas na direção do aprimoramento da regulação da interação entre prescritores e indústria farmacêutica. O Código de Ética Médica, atualizado em 2010, as resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são insuficientes", alerta.

"A maior divulgação e implementação das diretrizes clínicas do Ministério da Saúde para prescrição de ARVs é um dos caminhos para a garantia de que os médicos tomarão decisões exclusivamente de acordo com as credenciais científicas dos medicamentos, as recomendações padronizadas por um programa de saúde pública e as necessidades de saúde do paciente", conclui Scheffer.

O trabalho foi realizado no Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na modalidade Auxílio à Pesquisa.
Relação com empresas

Cerca de dois terços (64%) dos médicos que prescrevem ARVs declararam que tiveram alguma relação com empresas farmacêuticas, sendo mais frequentes o recebimento de publicações (54%), visita de propagandistas (51%) e de objetos de pequeno valor (47%). Com menor expressividade, declararam receber almoços ou jantares (27%), viagens para congressos nacionais (17%) e internacionais (7%), convites para participar ou conduzir pesquisa clínica (15%).

"A oferta e o recebimento de benefícios são mais expressivos conforme aumenta o tempo de experiência do médico com o tratamento de HIV e aids, o volume de pacientes e a idade", conta o pesquisador. "Também são mais significativos entre os médicos especialistas em infectologia."

Julio Bernardes
Da Agência USP de Notícias

segunda-feira, fevereiro 10, 2014

Indústria farmacêutica e financiamento de políticos

Dados dos EUA:


No Brasil, isto também ocorre e por vezes envolvidos sucumbem aos conflitos de interesse:

Agenda da Anvisa mostra lobby de parlamentares em favor de indústrias

Ex-dirigente da ANVISA acusado de favorecer laboratório farmacêutico

Saraiva Felipe afirma ser despachante de laboratório farmacêutico

Projeto de lei aprovado na Câmara libera venda de remédios para emagrecer

Já conversei com muitos políticos vinculados à Saúde que são extremamente críticos aos conflitos de interesses dos médicos, mas que entendem serem capazes de gerenciar os seus. Médicos geralmente se comportam parecido, enxergam a influência nos outros, nos próprios colegas, jamais neles próprios. E neste cenário, a indústria farmacêutica relaciona-se com tudo e todo mundo.

segunda-feira, fevereiro 03, 2014

Comissão discute relação entre médico e "venda" de OPMEs

Aconteceu na última quinta-feira (23), em Brasília, a reunião da Comissão de Cooperativismo das Entidades Médicas, onde foi tratada a questão do relacionamento entre médicos e a comercialização de órteses e próteses. Os gastos com órteses, próteses e materiais especiais (OPME) movimentam cerca de R$ 20,5 bilhões ao ano e representam importante parcela nas internações hospitalares, despesa que mais cresce na conta dos planos de saúde.

O mercado OPME movimenta bilhões no Brasil e, somente o Sistema Único de Saúde efetuou reembolso superior a R$ 943 milhões para os planos de saúde, em 2011. De acordo com o representante da Fenam junto às entidades sindicais de grau superior, Jacó Lampert, o problema está na relação direta entre o médico e a “venda” desse material. Segundo ele, existem acusações de que procedimentos desnecessários podem estar ocorrendo. “É um absurdo imaginar que um profissional médico esteja utilizando órteses e próteses com o único objetivo de ganhar honorários, propinas mesmo, sem que haja necessidade para o paciente”, denunciou Jacó.

O encontro procurou tratar do envolvimento dos médicos na comercialização das OPME, e contou com representantes da FENAM, CFM, Unimed e da Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Implantes. Para o secretário de Relações Trabalhistas da Fenam, Eduardo Santana, para que se qualifique o debate do tema, é importante que outros setores envolvidos possam assumir as respectivas parcelas de responsabilidade. “É preciso que haja ações, não só no sentido de coibir atitudes que possam ser consideradas ilícitas, mas que também criem regulamentações e fiscalizem para que essas regras sejam efetivadas”, informou.

Outro ponto tratado na discussão foi a grande variação de preços das OPME no Brasil, mesmo quando são provenientes do mesmo fabricante e com as mesmas especificações técnicas. Lampert informou que existem diferenças nos valores de até cem vezes em um mesmo produto dependendo de onde esse produto é adquirido. “E o pior, envolvendo uma pequena parcela de maus médicos que ajudam a patrocinar essas distorções, encarecendo para as cooperativas e operadoras e, claro, para os pacientes”, finalizou.

Fonte: Saúde Web

domingo, fevereiro 02, 2014

Vacinação contra vírus HPV divide opinião de médicos

A quase um mês do início da vacinação de meninas contra o vírus HPV em escolas e postos de saúde, um grupo de ao menos 28 médicos de saúde da família se diz contrário à imunização, gerando conflito com outras especialidades médicas.

Eles levantam dúvidas sobre a segurança da vacina e dizem que faltam evidências científicas de que ela vá mesmo proteger a mulher contra o câncer de colo de útero.

O Ministério da Saúde e três sociedades médicas (pediatria, ginecologia e de imunização) rebatem as críticas e garantem que a imunização é eficaz e segura.

A vacina, que será ofertada a partir de 10 de março a meninas de 11 a 13 anos, é recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

Estudos clínicos feitos até o momento demonstram que ela é eficaz contra verrugas e lesões genitais causadas pelo HPV. O vírus (tipos 16 e 18) está relacionado a 70% dos casos de câncer uterino.

"O câncer de colo mata, mas a vacina não demonstrou até o momento que evitará essas mortes. Ela previne as verrugas e lesões no colo do útero, que não matam. A maioria absoluta delas regride", afirma o médico de família Gustavo Gusso, professor de clínica geral da USP.

As lesões com chances de evoluir para câncer podem ser detectadas em exame papanicolaou, que deveria ser mais abrangente e eficiente no país, diz Rodrigo Lima, médico de família em Recife (PE).

"A vacina e o papanicolaou são estratégias complementares, não excludentes. A grande maioria das mulheres, independentemente do nível socioeconômico, não tem organização para fazer exames rotineiros de papanicolaou", rebate o médico Gabriel Oselka, da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Para ele, o efeito da vacina na redução dos casos de câncer e na mortalidade ocorrerá a longo prazo.

O tumor é a quarta causa de morte por câncer em mulheres - são 9.000 por ano.

Os médicos de família também questionam a segurança da vacina. Em países como Espanha, EUA e Japão há relatos de reações graves, como paralisias e mortes. Mas não foi comprovada a relação desses eventos com a vacina.

Desde agosto, o Japão não recomenda mais a vacina.

"Só de imaginar uma filha minha com paralisias causadas por uma vacina dessas, descarto a ideia rapidinho", diz Lima, pai de três filhas.

Nilma Neves, da Febrasgo (federação das sociedades de ginecologia e obstetrícia), diz que a vacina é segura e que as reações graves podem ter sido apenas coincidência.

por Cláudia Collucci, Folha

terça-feira, janeiro 28, 2014

Vacina bivalente

Precisamos de uma vacina assim.

Que combata os problemas decorrentes da relação entre a Medicina e as indústrias de medicamentos/tecnologias, e a forma como têm colocado em risco a credibilidade da Medicina Baseada em Evidências.

Mas que combata também o oposto disto, que esculhamba acriteriosamente com todo medicamento. Onde torcem para que não emplaque nenhuma inovação tecnólogica. Onde defendem cegamente “práticas naturais” que mereceriam a mesma visão crítica a ser aplicada em medicamentos e tecnologias. Por trás disto, escondem-se mais médicos mal preparados do que em qualquer outro grupo. Ao já saberem “de antemão” que medicamentos não funcionarão, para que estudá-los? Para que analisar a evidência (e para tal saber epidemiologia e estatística), pondo em dúvida a própria convicção a partir de qualquer novo estudo?

Precisamos de componente na vacina não apenas para coibir o overdiagnosis/overtreatment, mas também excessos do movimento anti-medicamentos, anti-subespecialistas e outros do gênero, como o próprio movimento radical anti-vacinas.

A propósito, veja no link explicação científica de como vacinas causam autismo... http://howdovaccinescauseautism.com

quinta-feira, janeiro 23, 2014

Ghostwriting

Embora há muito tempo esta prática tenha sido condenada como inaceitável e pouco ética, as recomendações para combatê-la não tem sido amplamente aplicadas pelas instituições acadêmicas e por editores de periódicos, e tem sido assim por várias razões justificáveis, mas não aceitáveis. Há muitos editores que não aplicam esta política devido ao fato de que as empresas que contratam e pagam os “escritores fantasmas” são as mesmas que pagam os anúncios nos periódicos e tem contratos para distribuição de separatas, e estamos falando de muitas das principais revistas comerciais do mundo.

As instituições de pesquisa, em geral universidades, não têm tomado ações diretas, pois em muitos casos envolvem pesquisadores em posições importantes, que busquem financiamento para pesquisa em suas próprias universidades e, por outro lado, ataques contra o "ghostwriting" poderia abrir uma caixa de Pandora para todos, instituições académicas e editoriais. As associações profissionais também se mostram lentas em reagir contra seus próprios membros em virtude da própria visão corporativa que tem em defender suas profissões. LEIA MAIS EM SCIELO EM PERSPECTIVA.

terça-feira, janeiro 21, 2014

Check-ups: mais mal do que bem?

Muito gratificante ver o assunto divulgado em veículo de comunicação de alcance nacional. A jornalista da Folha, Cláudia Collucci, acompanha nosso fórum de discussão no Facebook sobre temas como overdiagnosis. Quero acreditar, até como forma de sustentar motivação para este trabalho tão pouco valorizado e debatido, que parte da inspiração para a matéria partiu disto. Se for uma verdade parcial, já terá justificado todo gasto de tempo e energia no projeto durante o ano de 2013, recarregando as baterias para 2014.

O texto de Cláudia está de uma clareza magnífica!

Não concordo apenas com a ideia de que pacientes e familiares tenham condições de ajudar muito, o que não significa, absolutamente, que não devem ser informados e esclarecidos. Existe este mesmo debate no movimento de segurança do paciente (leia mais). Abaixo a matéria da Follha:

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Início do ano, época em que muitos se dedicam a fazer check-ups, conjunto de exames considerado capaz de descobrir cedo as doenças, aumentando as chances de cura.

Não é bem assim. Cada vez mais surgem evidências de que os check-ups que se limitam a seguir apenas uma lista de exames preestabelecidos não trazem benefício algum.

Existe uma ideia equivocada (entre médicos e entre pacientes) de que só uma longa lista de exames é capaz de prevenir doenças.

Um levantamento feito em 2012 pela Cochrane, organização internacional especializada em revisar estudos da área médica, concluiu que os check-ups não reduzem a mortalidade de modo geral nem a mortalidade por doenças cardiovasculares e câncer, por exemplo.

Não é que os exames preventivos sejam totalmente inúteis. A questão é que eles precisam ser focados, levando em conta características individuais do paciente, como idade, hábitos e históricos clínico familiar.

Quando mal indicados, esses exames causam mais malefícios do que benefícios. Levam a mais exames invasivos e tratamentos desnecessários.

Muitos médicos sabem disso, mas continuam pedindo aleatoriamente check-ups. E o que é pior: não informam aos seus pacientes sobre a controvérsia em torno deles.

O assunto começou a ser investigado no começo deste ano pela Comissão de Ciência e Tecnologia do parlamento inglês, que pretende estudar uma forma de tornar essas informações mais acessíveis aos pacientes.

A discussão teve início após decisão de renomados médicos britânicos de não pedir mais a mamografia, exame preventivo para o câncer de mama, a mulheres consideradas de baixo risco (sem histórico familiar, por exemplo).

O conceito que está por trás disso se chama "overdiagnosis", ou, em tradução livre, excesso de diagnósticos.

MAMA E PRÓSTATA

Check-ups ou mesmo programas de rastreio para o câncer da mama ou da próstata, por exemplo, pegam "doenças" que nunca iriam causar nenhum problema.

As mamografias encontram lesões de significado incerto, cânceres que não se comportam de forma agressiva.

Mas como ainda é difícil saber qual desses tumores vai se espalhar e causar a morte, muitas mulheres são orientadas a passar por tratamentos, que podem incluir a mastectomia e a radioterapia.

Esses tratamentos, porém, também podem fazer mal. A radioterapia, por exemplo, aumenta o risco de doenças do coração. A cirurgia na mama tem riscos anestésicos e de infecção.

São riscos que valem a pena correr se a doença fosse de fato uma ameaça à vida. E em casos de lesões potencialmente inofensivas? Vale realmente a pena?

Com o câncer de próstata ocorre o mesmo. Em 2012, uma força-tarefa do governo americano divulgou uma recomendação contra a realização do PSA (exame de sangue para detectar câncer de próstata) como teste de rotina.

Essa força-tarefa é formada por especialistas em prevenção que fazem recomendações quanto ao rastreamento de doenças em pessoas sem sintomas após extensa revisão de estudos publicados.

Exames de autópsia estimam que um terço dos homens com mais de 50 anos que morrem por outras causas (coração, por exemplo) tinham um câncer de próstata "adormecido", ou seja, que estava ali quietinho, sem fazer mal a ninguém. Já o tratamento pode causar danos sérios aos homens, entre eles impotência e incontinência urinária.

Segundo os pesquisadores, para homens saudáveis e sem sintomas, não saber o que está acontecendo na próstata pode ser o melhor caminho.

Informações como essas precisam chegar de forma clara e correta aos pacientes. Somente por meio delas é que eles terão condições de optar por realizar esses procedimentos ou não.

Esse é um debate mundial, mas aqui no Brasil ainda está restrito a poucos grupos, como os médicos de família e comunidade. Precisamos ampliá-lo. E fazer valer o mantra do paciente: "nenhuma decisão sobre mim, sem mim".

segunda-feira, janeiro 20, 2014

Refrigerante leva à obesidade? Depende de quem financia estudo

Existem estudos científicos de qualidade que demonstram que beber refrigerantes com açúcar aumenta o risco de obesidade? A resposta pode depender de quem financia esses estudos.

Os pesquisadores examinaram 17 análises extensas (com 18 conjuntos de conclusões, pois um dos resultados separou adultos de crianças). Seis estudos relataram terem sido financiados por grupos de indústrias como Coca-Cola, PepsiCo e Associação Americana de Bebidas. Os outros 12 estudos declararam não possuir conflitos de interesses. A análise foi publicada na edição de dezembro do periódico PLoS Medicine.

Entre as 12 revisões sem conflitos de interesses, dez (ou 83,3%), relataram que as bebidas açucaradas estão associadas à obesidade e ao ganho de peso. Os estudos financiados pela indústria obtiveram um resultado inverso: dos seis estudos financiados pela indústria, cinco (ou 83,3 %) afirmaram que as evidências não foram suficientes para tirar conclusões.

"Eu não afirmaria que somente a participação da indústria seja suficiente para rejeitar os resultados desses estudos por completo como pesquisa de nutrição", afirmou Maira Bes-Rastrollo, principal autora do estudo e professora de Medicina Preventiva da Universidade de Navarra, na Espanha. "Todavia, eu acredito que o público em geral e a comunidade científica devem ficar atentos aos interesses da indústria alimentícia, que podem influenciar as conclusões." 

Autor: The New York Times 
Fonte: UOL - Corpo a Corpo

sábado, janeiro 18, 2014

MBE a serviço da indústria farmacêutica: overdiagnosis & overtreatment

A Medicina Baseada em Evidências (MBE) deixou a indústria farmacêutica cambaleante por um tempo nos anos 1990. Pudemos afastar o exército de representantes farmacêuticos, porque muitas vezes seu material promocional era desprovido de evidências. Mas a indústria farmacêutica percebeu que MBE era uma oportunidade e não uma ameaça. A pesquisa, especialmente quando publicada em um jornal de prestígio, valia mais do que milhares de representantes de vendas. Hoje a MBE é uma arma carregada na cabeça dos médicos. "É melhor você fazer como a evidência diz" ela sussurra, não deixando qualquer margem para apreciação ou julgamento. A MBE agora é o problema, alimentando o supradiagnóstico (overdiagnosis) e o supratratamento (overtreatment).

Perceba, sem as chamadas "evidências" não há lugar na mesa dos guidelines. Este é o "viés de comissionamento” fundamental, o elefante na sala, porque a indústria farmacêutica controla e financia a maioria das pesquisas. Assim, a indústria farmacêutica e MBE puderam legitimar diagnósticos ilegítimos e, em seguida, ampliar as indicações de drogas, e agora os médicos podem prescrever um comprimido para cada doente (“a pill for every ill”). Os bilhões de prescrições anuais na Inglaterra em 2012, um aumento de 66% em uma década, não refletem um verdadeiro aumento da carga de doença nem o envelhecimento da população, apenas polifarmácia supostamente baseada em evidências. A missão corporativa da indústria farmacêutica é fazer-nos todos doente por melhor que nos sintamos. Quanto a programas de rastreio baseados em evidência, estes são os ceifadores combinados de bem-estar, produzindo fardos de supradiagnósticos e ansiedade.

A corrupção em pesquisa clínica é patrocinada pelo clamor de um marketing e promoção bilionário repassado como pós-graduação. Por outro lado, os manifestantes contrários desorganizados, têm não mais que cartazes e um par de canetas de ponta de feltro para transmitir a sua mensagem, e de qualquer forma ninguém quer ouvir pessimistas cansativos.

Quantas pessoas se preocupam com o fato da fonte da pesquisa estar contaminada por fraude, farsas diagnósticas, dados de curto prazo, regulamentação pobre, desfechos substitutos, questionários que não podem ser validados, e resultados estatisticamente significativos mas clinicamente irrelevantes? Os médicos especialistas que deveriam fornecer sua supervisão foram abduzidos. Mesmo o National Institute for Health and Care Excellence e a Colaboração Cochrane não excluem autores com conflitos de interesse que, portanto, têm agendas predeterminadas. A atual encarnação da MBE está corrompida, deixada de lado igualmente por acadêmicos e reguladores.

O que vamos fazer? Devemos, primeiramente, reconhecer que temos um problema. A investigação deve concentrar-se no que não sabemos. Devemos estudar a história natural da doença, investigar intervenções não medicamentosas, questionar os critérios diagnósticos, demarcar a definição de conflitos de interesses, e pesquisar os reais benefícios de medicamentos em longo prazo, promovendo o ceticismo intelectual. Se não resolvermos as falhas da MBE haverá um desastre, mas eu temo que haja um desastre antes que alguém ouça.

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